sábado, 15 de abril de 2017

UMA CRÔNICA PARA O OURO VERDE



   Na reestreia, depois do incêndio, ainda não sabemos qual será a programação que vai nos tirar do pesadelo para devolver o sonho
   No princípio era a arte pelas mãos de Vilanova Artigas, arquiteto dos sonhos em concreto. Em 1952, o Ouro Verde foi inaugurado para ser cinema, um templo de cortinas de veludo e 1.500 lugares. Na primeira sessão, antes mesmo do filme começar, o público experimentou a emoção de desembarcar no futuro. Na plateia, entre os convidados, chefões dos estúdios cinematográficos indicavam que Hollywood era aqui, como não?
   A partir disso, durante anos, todos veriam em technicolor o rosto de Vivien Leigh, antes de atravessarem “A Ponte do Rio Kwai” assobiando baixinho ou batendo os pés para acompanhar a trilha sonora. No escurinho do cinema, começaram namoros que terminaram em casamento. Os casais se beijavam ao ouvir “O Toureador e a Andaluza”, música que antecedia cada exibição. Doris Day, Rock Hudson e Brigite Bardot eram ídolos de uma geração que começava timidamente uma revolução de costumes. 
   Em 1978, o cinema foi comprado pela Universidade Estadual de Londrina e ali nasceu um teatro. Há lembranças do dançarino japonês Kazuo Ohno, que trouxe o butoh para o FILO, em 1992. Antes, em 1989, Astor Piazzolla se apresentou no teatro numa noite chuvosa, na qual as trovoadas antecederam os acordes de “Adios Nonino”. O público aplaudiu quando os músicos chegaram depois de mais de um hora de atraso e, ainda com a roupa de viagem – depois de esperar no avião para o qual não havia condições de pouso – subiram ao pouco para uma noite que foi uma cena líquida: metade chuva, metade lágrimas. Eu estava entre os que se emocionaram na plateia. 
   Em 2012, toda essa memória sofreu um incêndio dolorido, as paredes do velho Cine Teatro cederam. O palco foi queimado, junto com ele as cortinas que remetiam aos casarões de Atlanta em “E o vento levou”. Queimaram-se as poltronas, transformadas num cemitério de cruzes com o que sobrou de sua estrutura, queimou a rampa de acesso à galeria, caminho sinuoso de Artigas no seu sonho de linhas curvilíneas. Chamas ameaçando a história, fumaça tragando a memória. 
   Ficaram em pé as paredes externas e o letreiro luminoso onde se lê Ouro Verde, um marco da anunciação de Londrina como capital do café e das artes, seu grande amor. As décadas de cinema, música e teatro voaram com as cinzas sem nenhum aplauso. 
   2017 marca a reinauguração do velho que se transformou no novo, o milagre da engenharia, a resistência da arquitetura. Um trabalho amoroso que reconstrói a antiga planta de Artigas, o Ouro-Verde regado como a árvore-mãe, canteiro de obras, canteiro das artes. 
   Às vésperas de sua reinauguração, prevista para junho, uma bailaria voa da galeria ao palco, as luzes se acendem: menos poltronas, mais técnica, menos risco, mais segurança. Ainda não sabemos qual será a programação da reestreia que irá nos tirar do pesadelo para devolver o sonho. Espera-se um coro de anjos, um pas de deux de amantes entre o público e seu teatro. Uma interpretação histórica, um retorno triunfante sobre “a dança do fogo”, a volta por cima sobre a poeira e as cinzas. O amor reluzente como o ouro. A alquimia dos deuses. A arte.

   (Uma síntese desta crônica está no vídeo que acompanha esta edição sobre o Teatro Ouro Verde, através do recurso “realidade aumentada”) (Crônica da jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI celia.musilli@gmail.com caderno FOLHA 2, página 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 15 e 16 de abril de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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