segunda-feira, 3 de abril de 2017

CARNE ENFRAQUECIDA

   “Doutor, O senhor viu que esses caras colocam papelão e ácido ascórbico na salsicha”, disse o taxista que me trouxe de Cumbica. 
Há quatro dias, fora do país, eu estava a par do teor das declarações feitas por um delegado da Polícia Federal, mas desconhecia as repercussões populares da denúncia. 
   Consegui explicar que o ácido ascórbico não era uma substância corrosiva, mas a prosaica vitamina C. Quanto ao papelão nos embutidos, minha descrença não foi suficiente para convencê-lo.
   No final, ele sentenciou:
   “Não é à toa que o povo diz: ‘O peixe morrer pela boca’.”
   A analogia com os seres humanos está justificada, de fato, no caso dos que ingerem mais calorias do que necessitam para cobrir as exigências energéticas do organismo. Como a evolução nos ensinou a não desprezar nem uma caloria sequer, aquelas em excesso serão armazenadas sob a forma de gordura. 
   Em tempos de mesa farta, comer ad libitum deu origem à epidemia de obesidade que assola diversos países, inclusive o nosso. Estão acima do peso saudável pelo menos 52% dos brasileiros adultos.
   Mas, descontados os excessos alimentares que a longo prazo nos matam de doenças do coração, derrames cerebrais, diabetes e câncer, morte pela boca não costumam ocorrer com mulheres e homens modernos, mais afeitos aos óbitos por complicações cardiovasculares e oncológicas. 
   Primeiro, descendemos de ancestrais sobreviventes das epidemias de fome que nos assolam desde que descemos das árvores nas savanas da África, cerca de 6 milhões de anos atrás. Durante milênios disputamos com urubus, hienas e outros carnívoros as carcaças dos animais encontrados pelo caminho. 
   É quase certo que muitos tenham perdido a vida ao ingerir toxinas resultantes do processo de putrefação e bactérias que se multiplicam em tecidos mortos. No entanto, conseguiram escapar com vida e levar vantagem reprodutiva aqueles dotados de defesas naturais capazes de neutralizar substâncias nocivas e combater os germes ingeridos. 
   Por mecanismo darwiniano de competição e seleção natural, deles herdamos a competência e a versatilidade de nosso sistema imunológico.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os avanços da agropecuária e da tecnologia de armazenagem permitiram levar a grandes massas populacionais alimentos de alto valor nutritivo. Pela primeira vez na história da humanidade os bolsões de fome ficaram restritos às regiões mais miseráveis. 
   Segundo, porque os países desenvolveram medidas rígidas de controle sanitário da cadeia alimentar, capazes de impedir que cheguem à mesa produtos deteriorados ou contaminados capazes de colocar a vida em risco. As desobediências a essas regras se tornaram exceções. 
   A reação imediata ao pronunciamento do delegado responsável pelas investigações transformou um simples caso de corrupção de alguns fiscais e empresários numa ameaça à saúde pública com repercussões internacionais, porque somos muito atentos à qualidade e à procedência dos alimentos que levamos para casa. 
   A mais improvável suspeita de contaminação química ou bacteriológica levantado por um boato qualquer se dissemina pelos meios eletrônicos com a velocidade da luz. 
   As histórias da “vaca louca”, do leite com formol e do “Todyinho assassino” são exemplos recentes. 
   No caso da carne, a queda imediata nas vendas aconteceram sem que ninguém se dignasse a fazer a pergunta mais elementar numa situação como essa: “Alguém ficou doente?” “Alguém engasgou com o papelão ou teve o esôfago corroído pelo ácido ascórbico?”
   Se ao menos uma pessoa tivesse se intoxicado ou perdido a vida, a Polícia Militar teria mantido em sigilo a investigação por dois anos, sem agir para evitar outras vítimas?
   Essa questão da carne vermelha, que tantos prejuízos tem causado às exportações e ao mercado interno num dos raros setores da economia que resistia à crise econômica, demonstra como é irracional o comportamento da sociedade diante de boatos e ameaças falsas que envolvem a alimentação. 
   A abordagem de um tema dessa importância, pelos meios de comunicação de massa, exige responsabilidade e análise criteriosa das possíveis consequências. Não é tarefa para principaiantes. (Crônica escrita pelo médico DRAUZIO VARELLA, página C!0, FOLHA ILUSTRADA, coluna DRAUZIO VARELLA, sábado, 1º de abril de 2017, publicação do jornal FOLHA DE S.PAULO).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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