domingo, 18 de março de 2018

UM HOMEM DA VASTIDÃO DO FUTURO


   Stephen Hawking morreu na última quarta-feira (14) e, em todo mundo, as pessoas se sentiram órfãs de conhecimento. Ele era o físico que decifrava coisas que pareciam insondáveis, como os buracos negros e as teorias apaixonantes sobre o espaço-tempo que lhe valeram fama. 
   Tudo na vida de Hawking, além de ciência pura, parecia envolto numa espécie de magia ou jogo de coincidências: nasceu em 8 de janeiro de 1942, mesma data de Galileu Galilei, só que 300 anos depois. Morreu na mesma data de nascimento de Einstein (14 de março), dando pistas que as genialidades também se encontram no tempo, pelo menos, neste tempo que criamos a partir de calendários. Mas as teorias de Hawking dão conta de que o tempo é outro e funciona num movimento circular que poderia nos levar ao passado e ao futuro. 
   Para demonstrar isso, ele usava não apenas a ciência, como também o humor. Em 2009, organizou uma festa na universidade de Cambridge, no Reino Unido, pondo os convites a circular só após o seu término. Numa brincadeira inspirada, pendurou balões e arrumou a mesa com aperitivos e champanhe – sua bebida preferida – à espera dos convidados que não apareceram, claro, porque os convites só chegariam depois. Sobre o episódio, disse que a festa tinha sido organizada para “viajantes do tempo” e que, numa data futura, as pessoas receberiam o convite do que já foi. 
   Hawking tratou da ideia de viajar no tempo em suas pesquisas, abordando Cronos, como um deus circular, se quisermos apelar para a mitologia grega que sempre respeitou este senhor que comanda o passado, o presente e o futuro, talvez não da forma como imaginamos. A série “Outlander”, que assisto na Netflix, trata deste fenômeno sobre o ponto de vista de uma ficção que também vem do Reino Unido, origem de Hawking: uma enfermeira que serviu na Segunda Guerra, toca as pedras deixadas pelos druidas nas Terras Altas, ou Escócia, e escorrega retroativamente para o século 18, onde vive uma porção de aventuras que me deixam encalifada. 
   Hawking foi o gênio que, a exemplo de Galileu e Einstein, nos deu a oportunidade de pensar acerca do universo e seu movimento ainda inescrutável sob tantas lógicas. Além disso, por sofrer de esclerose lateral amiotrófica (ELA) – doença degenerativa que imobilizou aos poucos todos os seus músculos, sem afetar sua mente brilhante – deu um exemplo raro de resistência, continuando suas pesquisas, apesar da falta de saúde plena, até morrer aos 76 anos, quando a medicina não lhe dava mais do que dois anos de sobrevida nos anos 60. 
   Com a morte de Hawking perdemos mais que uma mente brilhante, perdemos o exemplo de um homem que definhou a olhos vistos e se tornou uma celebridade à revelia de todos os desafios físicos que o levaram a se comunicar apenas com os olhos, emitindo sinais que um computador transformava em voz eletrônica. Seus ensinamentos e sua capacidade de desvendar o universo, a partir de uma cadeira de rodas e da tecnologia, decerto serão um exemplo que viajará no tempo. Dificilmente teremos outro gênio com tantos infortúnios e tanta sensibilidade para superá-las, criando um modo de viver que nos desconcerta num espectro de problemas mínimos que nos faz lamentar e sofrer por coisas ridículas. Hawking não desafiou apenas a natureza, desafiou a morte vivendo além do tempo que os médicos lhe ditaram como “possível”. Talvez porque se esqueceram que estavam tratando de um ser humano que acreditava em todas as possibilidades para compreender e desvendar o universo, superando cercadinhos do pensamento e dando como exemplo a sua própria vida. Desde sempre, Hawking não foi um homem das limitações do presente, mas da vastidão do futuro. (FONTE: Crônica escrita por CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmail.com caderno FOLHA 2,  página 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 17 e 18 de março de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

A PROCISSÃO


   Era um sol escaldante. O céu limpinho e sem nenhuma nuvem, no entanto, não era azul. O ar seco piorava com a fumaça das queimadas que alguém, volta e meia, costumava tacar fogo no mato seco. A cidade se entristecia com a falta de chuva, não dava para plantar, não tinha o que colher e, pior, a água também estava escassa. Não a da torneira, que na época não havia, mas a dos poços e rios. 
   Então era hora de ir à luta para que a chuva viesse e transformasse aquela tristeza Alguns homens, mas principalmente muitas mulheres e crianças formaram a procissão para pedir a Deus que mandasse a bendita chuva. A fé, nesse momento, alimentava a esperança. O povo se reunia no largo da Igreja e a procissão era formada com cuidado. As crianças iam à frente, descalças, não para fazer penitência, mas porque sapatos era um luxo que não cabia em seus pés. Na areia quente e grossa iam pulando e aliviando o calor. Minha vó Luiza costumava colocar um lencinho na nossa cabeça, amarrado nas quatro pontas, que servia para proteger um pouco do sol, e nas mãos cada um trazia além de imagens dos santos, de modo especial São José, uma garrafinha de água que seria levada até o Cruzeiro. 
   Assim, tendo o sol quente e a areia mais quente ainda castigando os pés, como cenário, seguia a procissão até o Cruzeiro que ficava lá na baixada do Mané Faria. A gente seguia cantando. Eu confio em Nosso Senhor, com fé, esperança e amor... Com minha Mãe estarei... e Ave Marias, e, é claro, rindo e saindo da ordem da procissão, sempre sob o olhar atento das mães e dos mais velhos. Mesmo que a intenção fosse a oração e a penitência, para nós, crianças, sinceramente, era a maior festa... 
   Lá chegando, mais orações, mais cantos, e a gente jogava no pé do Cruzeiro a água trazida nas garrafinhas. Aproveitávamos para refrescar os pés e até jogávamos um pouco nos outros, com todo respeito. 
   Consolados e esperançosos, empreendíamos a volta para casa. A volta era a única coisa triste da procissão. Não por falta de fé na chuva que viria, mas pelo cansaço, pés queimando, barriga roncando, criança brigando e chorando, puxando as saias das mães e avós e querendo colo. E a criançada voltava como podia, birrentas, meio penduradas, algumas no colo ou nos ombros, arrastadas. 
   Se a chuva chegava logo ou não pouco importava, nem me lembro mais... Mas lembro do aprendizado, da esperança, da luta para vencer as dificuldades da vida que eram tantas, mas aquela gente simples possuía a grande qualidade de partilhar e de se apoiar uns nos outros como uma grande família.
   Hoje, quem vive na cidade, com todo o conforto, nem percebe as penúrias da falta de água. Indiferente, consulta o Serviço de Meteorologia, nem se dá ao trabalho de olhar para o céu. Não se usa mais rezar e pedir que a chuva caia do céu pelas torneiras de Deus, no tempo certo para as plantações ou para as necessidades das pessoas... Mas é só sairmos do asfalto, em tempo de seca, causar um poeirão com nosso carro equipado com ar-condicionado, observar as plantações flageladas, que nosso pensamento reporta a um tempo muito distante, a uma procissão de rostos queridos, fortes e lutadores que, além de nos ensinarem tantas coisas, nos deixaram um legado de sensibilidade, de valorização da natureza, de respeito pela vida e nos ensinaram a acreditar que Alguém, lá em cima, ouve com carinho o clamor daqueles que não têm nada e precisam de tudo, mas ainda sabem caminhar com fé. (FONTE: Crônica escrita por ESTELA MARIA FREDERICO FERREIRA, leitora da FOLHA, caderno FOLHA RURAL, coluna DEDO DE PROSA, página 2, 17 e 18 de março de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

domingo, 11 de março de 2018

ORAÇÃO


   Quando o feminismo ainda se engalfinhava com ódio aos homens e rasgação de sutiãs, lá nos anos 1970, ouvi da boca de uma mulher: 
   - Mulher que é mulher não chora!
   Anos depois, ela me disse que mulher chora, sim, homens também, e melhor é chorar juntos. Já outro dia ouvi de um jovem apaixonado: 
   - Ela nem queria saber de mim até o dia em que chorei, nem lembro mais porque, aí ela também se apaixonou!
   Quanta evolução – tecnológica, social e emocional. 
   Minha avó materna não casou com quem escolheu, mas com quem seu pai mandou casar, e magrinha e fraca de dar dó, lavou roupa no tanque até se deitar para morrer. Minha nonna paterna jamais pensou em trabalhar fora de casa, todo dia religiosamente fazendo almoço e janta, lavando e passando, arrumando e limpando, com serenidade e alegria que só vendo. Seu único lazer eram as novelas de rádio, que entretanto ouvia tricotando. Já suas bisnetas têm lavadora de roupas e de louças, pedem comida pelo uatzap e mandam o marido trocar fralda do nenê, coisa impossível para meus avós. 
   Na cafeicultura, nosso berço histórico, a mulher era a primeira a levantar, para fazer o café e, depois que o marido ia para a roça com os filhos, cuidava da casa e das roupas, da vaca e das galinhas, do cavalo e da horta, fazia almoço, que ia levar na roça, onde batia enxada até voltar para fazer a janta, que lavava antes de ser a última a deitar para ser de novo a primeira a acordar. Uma escultura da Mulher Colona seria com uma peneira nas costas, um filho mamando no colo e outro agarrado na saia, no outro braço uma vassoura e nos pés uma enxada, na cara olhar firme e sorriso doce. Ou conforme uma bisavó: 
   - Mulher daquele tempo era valente por dentro. 
   Minha mãe desquitou Já nos anos 1950 quando se separar do marido era se situar entre leviana e prostituta. Hoje, quase um terço dos lares brasileiros são tocados por mulher sozinha, e essa garra deve vir lá do tempo das cavernas. 
   O homem sai para caçar, comunicando por gestos (a linguagem ainda não existe) que voltará até o anoitecer, ela não deixe de manter o fogo aceso e de vigiar as crianças, os lobos rondam por perto. Mas anoitece e ele não volta. Ela mantém a fogueira acesa na boca da caverna, para não enfumaçar dentro e espantar as feras lá fora. 
   Mas ela é humana, ela dorme, acorda com rosnados e não vacila, pega um tição e espanta os bichos. A carne defumada porém está quase acabando, e as crianças olham para ela. 
   Então ela sai da caverna com nenê no colo, cavoca raízes, manda o menino pegar frutas, a menina catar ovos. Volta a tempo de reavivar o fogo e, antes de anoitecer, ainda vai catar lenha. Então volta o homem, contando que foi com vizinhos da montanha lutar contra invasores vindos de outro vale. 
   Ela cuida de suas feridas, reaviva o fogo, deita e dorme confiante, a família de novo unida. O homem acorda faminto, quer saber de comida, ela dá o que tem, ele vê que logo precisará sair para caçar. Quando sai, aponta a fogueira, ela balança a cabeça, sabe muito bem que terá de manter o fogo, cuidar das crianças, encher a cabaça de água, e aprendeu até como afastar as feras, mas não sabe comunicar isso, então faz um gesto vago, pode ir, e ele vai. 
   Somos todos filhos desse homem e dessa mulher, e as feras continuam à espreita: o Estado corrupto e incompetente, as escolas deficientes, a creche sem vagas, o trânsito assassino, a crise e o desemprego, as drogas e as quadrilhas, as descrenças e os desatinos. 
   Então aqui está a oração: Deus, dai mais força para as mulheres, mais ternura para os homens, assim mais esperança para as crianças, e que todos os amem muito bem, amém. (FONTE: Crônica escrita pelo jornalista e escritor DOMINGOS PELLEGRINI, d.pellegrini@sercomtel@.com.br página 3, caderno FOLHA 2, coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINI, 10 e 11 de março de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

sábado, 10 de março de 2018

UM VIVA ÀS MULHERES


   Meu trajeto de ônibus para ir à universidade em Campinas, era o mesmo de centenas de trabalhadoras da construção civil ou de mulheres que eram empregadas domésticas em condomínios da região. Lembro-me delas indo ao trabalho com a atenção concentrada nos celulares para ver as horas, tão responsáveis como se fossem gerenciar uma fábrica ou pilotar um avião. Às 7 da manhã, elas vinham com suas bolsas e sacolas, algumas com capacete e uniforme das construtoras, e meu espírito de repórter me fez algumas vezes puxar conversa e descobrir que eram, principalmente, mulheres que colocavam pisos e azulejos em apartamentos e casas, considerada s mão de obra especializada para trabalhos que exigem capricho e o dobro de atenção. 
   Entre as empregadas domésticas – um luxo em processo de extinção – vi mulheres jovens e velhas, senhoras robustas ou aqueles ‘fiapos de gente’ que não sabemos como aguentam oito horas de faxina intensa, às vezes quatro ou cinco vezes por semana. Quem contrata faxineira quer serviço eficiente, não um relato sobre o dia a dia de trabalhadora. Mas há de se considerar que elas repetem por semana o ato de subir em escadas para deixar vidraças brilhando, aplicam forças aos braços e às buchas para desengordurar fogões, passam pano úmido e cera em apartamentos de 250 metros quadrados, limpam tapetes felpudos e dão duro nos banheiros quando estão um caos. 
   Aquele esforço que eventualmente algumas donas de casa fazem, clamando depois por um spa ou um cochilo em frente à TV, é repetido várias vezes por semana por mulher que não têm a quem clamar e reclamar e ainda voltam para casa onde marido e filhos as esperam para a jornada dupla. 
   Ainda assim, nos ônibus, vi mulheres divertidas, deixando a vaidade escapar nas unhas dos pés pintadas – as das mãos quase nunca – com leggins moderninhas e blusas estampadas, comentando no trajeto as feiras e mercados onde o detergente estava mais em conta ou o arroz agulhinha podia ser comprado a granel. Era um batalhão de mulheres, diria que em número maior do que os homens que se dividiam entre os estudantes e os que trabalhavam também na construção civil, sem tanto entusiasmo quanto as azulejadoras que tinham orgulho do seu capricho e do seu capacete.
   Quando na última sexta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, vi as estatísticas que demonstram que eles trabalham menos e ganham mais, lembrei-me imediatamente dos ônibus lotados por todas aquelas formigas de desempenho forte no trabalho que me fizeram companhia nas jornadas de um período pesado de estudos e pouca facilidade numa cidade grande. 
   Pelas estatísticas do IBGE, soube que no Brasil, as trabalhadoras se dedicam 73% mais do que os homens na combinação de trabalho remunerado, tarefas domésticas e cuidados de pessoas. Mais: na jornada total, em que se soma o trabalho profissional e doméstico, as mulheres trabalham 54,4 horas semanais contra 51,5 horas dos homens. Por desaforo, na minha opinião, e falta de políticas que equiparem a remuneração, o documento aponta que elas merecem apenas 76,5% da média salarial dos homens, mesmo trabalhando mais na soma da jornada total. Vi também que, na política nacional, ainda há pouca presença feminina. Em Londrina, dos 148 vereadores eleitos até hoje, apenas 11 foram mulheres, sem contar que aguentamos deles a boca aberta para uma enxurrada de sandices e escândalos. Em nível nacional, nada muda, são apenas 9,9% de mulheres do total de deputados eleitos em 2014. Eles, claro, na vanguarda da corrupção e regulando políticas que valorizam o trabalho feminino. Tendo isso em vista, espero que nas eleições de 2018, as mulheres se lembrem de tudo isso e na hora de votar pensem nas formigas e não apenas nas “cigarras” que não trabalham em casa, embora ostentem a qualificação de chefes de família que veem mais partidas de futebol do que lavam a louça, aquela empilhada desde ontem na pia da cozinha, à espera de mãos e unhas sem esmalte. E saibam que não me considero um exemplo de feminismo, mas não sou besta. (FONTE: Crônica escrita por CÉLIA MUSILLI, celia.mussli@mail.com, jornalista e escritora, caderno FOLHA 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 3 e 4 de março de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

CRÔNICA DAS CRÔNICAS


   Os escritores garimpam a preciosidade onde está o corriqueiro e quase sempre inauguram minas
   O gato se aproxima quando estou no meio da leitura, folgado, se interpõe entre as páginas e os meus óculos. Instintivamente falo: “Saia, estou estudando”. E só então me dei conta que ler é muitas vezes estudar, sobretudo para quem escreve. 
   Observo a escolha das palavras, as figuras de linguagem que clareiam e obscurecem o texto. Percebo que os autores refinam a língua ou a embrutecem, fazem delas veículo de memórias, usam-na para amarrar realidade e ficção.
   É disso que trata a resenha sobre “Mil rosas roubadas”, livro de Silvano Santiago, analisado pelo escritor e professor de literatura da UERJ Italo Moriconi. O resenhista se ocupa justamente em descobrir onde termina a realidade e começa a ficção, deixando claro que os romances biográficos ocupam-se de unir as pontas do impossível. Poucos autores assumem que sua ficção é trespassada pela realidade. Mas a verdade é que ao enxotar um gato ou despedir-se de um amigo, um novo texto começa. 
   Os cronistas estão sempre procurando assunto, garimpam a preciosidade onde está o corriqueiro e quase sempre inauguram minas. Penso nas brincadeiras de Domingos Pellegrini com os netos e vejo-o como um taxidermista prendendo borboletas num texto para a eternidade. Ali, onde ele fixa a fantasia, fica também a memória, resultando a função das crônicas e das fotografias. 
   Penso que Paulo Briguet muitas vezes se inspira na própria fé para tomar os ares de Santo Agostinho urbano que faz da Avenida Paraná sua praça de reflexão cristã, permeada por “confissões” que, decerto, exigem coragem. Penso no professor Marco Rossi que une as pontas da Sociologia à cidade onde vive e da qual faz seu laboratório de experiências políticas e culturais. Em todos os casos, lá está o homem, seu conhecimento e sua imaginação. 
   A julgar pela resenha, o livro “Mil coisas roubadas” humaniza Salviano Santiago, a quem entrevistei sobre a cultura da América Latina há alguns anos. No livro, resplandece o homem no lugar do estudioso. Moriconi mostra como a amizade do autor com Ezequiel Neves, na Belo Horizonte dos anos 50, funcionou como a aproximação de um acadêmico com um garimpeiro do rock. Duas personalidades distintas, um dedicado à alta cultura e outro dedicado ao pop. Uma amizade improvável e um amor e um amor mais improvável ainda, naquilo que Moriconi chama de “anamese de um histórico sentimental”. 
   Na resenha está implícita a arte de Santiago em ficcionalizar, encenar, figuras numa busca incessante de metáforas que deem conta da vida e, sobretudo, do amigo morto.
   Talvez a arte do escritor esteja no jogo de documentar a realidade com o preenchimento da ficção, porque de subjetividade também é feita a literatura. Diante da morte do amigo Ezequiel Neves, o professor, pesquisador e historiador de carreira bem sucedida, Silviano Santiago, encheu-se de ternura, única condição pura da vida, para traçar a trajetória de dois adolescentes muito diferentes que se encontraram e se completaram nas lacunas. Algumas biografias contêm o esforço da lembrança e o voo do que poderia ter sido e não foi. Quase toda literatura é composta deste vácuo, no qual a invenção substitui a falta. 
   Mas ela também pode nascer da memória das coisas corriqueiras, como quem tropeça na ingerência de um gato e escreve sobre a pequena viagem que nos permite ler um texto como quem estuda e, no ato, recupera o olhar sobre a escrita e seus significados. FONTE: Crônica escrita pela jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmail.com página 2, caderno FOLHA 2, coluna CÉLIA MUSILLI,  3 e 4 de março de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

sexta-feira, 9 de março de 2018

MUTANTES PAISAGENS


   Observo de minha varanda, uma paisagem física lindíssima que, dia após dia, vai se transformando em novas e diferenciadas paisagens de acordo com o calendário agrícola que estipula que de setembro a janeiro se planta e que de janeiro a maio se colhe. 
   A primeira delas é aquela em que a terra vermelha (ou roxa como queiram) vai sendo tombada num ir e vir de máquinas tombadeiras que chegam e expõem e revolvem as vísceras da terra por inteiro. 
   Dia ou dias depois, são as máquinas aradeiras que invadem o espaço para escarificar o solo o que se faz desde que o sol nasce, indo na maioria das vezes até que a noite chega ou além. Ainda, durante o dia, o revolver de toda a terra agriculturável evidencia o contraste com algumas árvores que, em declives, rebordam as paisagens com seu tom verde escuro profundo. 
   Já à noite, o que se consegue ver é o cenário em extrema negritude, onde sobressaem luzes das máquinas que apresentam um vaivém de tremelicantes olhinhos amarelos, lindos de observar. Essa preparação indica que a terra tombada logo vai recepcionar sementes que serão germinadas e, portanto, nesse momento, o solo ainda conserva sua cor natural inalterada. 
   Depois do tombamento acontece a semeadura. E novamente a dança das máquinas continua de dia e à noite num ritmo frenético, com o objetivo de aproveitar lua, clima e chuvas que virão. 
   Num próximo estágio, independentemente da ação humana, as sementes que nas covas foram aninhadas começam a germinar depois de haverem rasgado a superfície da terra, dando à paisagem uma nova configuração, posto que ela vai sendo pontilhada de minúsculos pontinhos verdes que, mais e mais, vão fazendo sobressair a vermelhitude do solo em contraste com o verde que surge. 
   No estágio que se segue, a terra vermelha desaparece da visão porque dá lugar a um manto verde que, de tão uniforme, apresenta o desenvolvimento das plantinhas nessa fase. 
   Tempos depois, quando a plantação tem seu tempo de amadurecimento cumprido, o cenário reveste toda a extensão do espaço com plantas amareladas enquanto, aqui e ali, se apresentam uma que outra plantinha tardia ainda verdolenga. 
   Os agricultores trabalham, e suam, e se esfalfam até darem conta da tarefa de colher para, logo depois de terem realizado a colheita deixarem a terra com sua nudez, novamente exposta, sendo que o ciclo recomeça. E então, a paisagem torna a apresentar seu tom vermelho natural. 
   Nesse lufa-lufa as mutantes paisagens se alternam e apresentam espetacular processo digno de se observar, o que faço extasiada toda vez que observo e admiro tais transformações. (FONTE: Crônica escrita por L. Beatriz Polonio, leitora da FOLHA, página 2, coluna DEDO DE PROSA, caderno FOLHA RURAL, 3 e 4 de março de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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