segunda-feira, 5 de junho de 2017

IDEOLOGIA NA CACROLÂNIDA- MINHA HISTÓRIA, MÁRCIO AMÉRICO, 53


   RESUMO – O ator e escritor Márcio Américo viveu três de seus 53 anos na cracolândia. Em 2000, começou a frequentar as ruas onde se reúnem usuários de crack. “Limpo” há uma década e com o olhar de quem já foi “zumbi”, ele critica o prefeito João Doria (PSDB) e a operação policial na área, mas também ataca ativistas que postam a hashtag =resistecraco. “A cracolândia virou combustível para flá-flu ideológico”, diz o ator, que estreia neste sábado (3) o espetáculo “Deus é Humor”, no Teatro Commumne , em SP. 
*** Depoimento a Eliane Trindade, Escritora do Prêmio Empreendedor Social. 

  Ator que vive 3 anos em reduto do crack em SP diz que flá-flu à esquerda e à direita mostra egoísmo sem interessados em resolver problema de dependente

   Frequentei a cacrolândia por três anos. Comecei em 2000, quando passava uns dias, depois voltava para casa. Mas sempre retornava. Há dez anos, estou limpo, superei essa desgraça. 
   Dizem que todos são zumbis é reducionismo que leva à exclusão. Não se trata de uma massa de gente. Dentro da cacrolândia tem individualidades e especificidades. 
   Conheci ali professores, atores, bailarinos, médico, advogado, patrão e até vereador (não revela nomes nem detalhes). Há também os “homeless”, aqueles que não têm família, estão sozinhos, um problema social enorme. 
   Há os frequentadores habituais e os eventuais. É preciso entender que o atrativo maior da cacrolândia é o ritual quase religioso que caracteriza o uso do crack e vai além da dependência. 
   Não é só o crack que vicia: a cacrolândia, também. Cria-se uma comunidade de malucos, que ficam horas limpando seus cachimbos, fumando as cinzas, numa noia coletiva. Os que olham de fora só veem droga e dependentes. Mas a cacrolândia é uma comunidade pulsante, viva. 
   É preconceito dizer que é formada de zumbis sem atitude. Os usuários de crack são ativos, mas as atividades deles são restritas à compra e ao consumo da droga. Não ficam o dia inteiro na cacrolândia. Saem em busca do dinheiro para comprar a droga. 
   Por isso, a última operação policial para a desocupação da área foi desastrosa. Não se despejam viciados, pois eles não têm casa. Não há despejo para quem já mora na rua. 
   Ficou assim muito claro a falta de planejamento. A cacrolândia levou 20 anos para ser o que é hoje e não se acaba com ela em um dia, como declarou o prefeito.
   Só fez mudar de lugar. Faltou colocar uma placa: “Estamos atendendo em novo endereço na praça ao lado”. 
   Acabar com a cacrolândia é um trabalho lento, de cadastrar as pessoas, ver quem tem família e quem não tem. 
   A recente operação na área despertou nas pessoas o que elas têm de mais egoísta. É combustível para discursos ideológicos à esquerda e à direita. Ninguém está interessado realmente em resolver de fato o problema do dependente químico, que acaba ficando no meio do flá-flu ideológico. 
   Também é absurdo esse ativismo que coloca a hashtag =resistecraco. Resistir o quê? A cacrolândia só é boa para o traficante. Quem ganha com a manutenção daquela situação é o tráfico. Mas o que o ativista faz efetivamente pelo dependente? Nada. 
   Defendo que temos que limpar a área, mas isso não é do dia para a noite. É preciso liberar os espaços públicos, que são áreas de convívio. Mas não se pode tirar os dependentes de lá como se fossem lixo, debaixo de tiro de polícia e muito menos derrubando casas sem verificar antes que não há gente dentro. 
   No entanto, eu acho a internação de dependentes necessária por três motivos. Primeiro, para ajudar o cara que está na rua, perdendo a sua saúde. Segundo, para dar segurança, tranquilidade e mobilidade para quem mora na região e também para dar paz à família dos dependentes, que adoece junto com eles. 
   Em terceiro lugar, a internação é uma esperança para o dependente. Pode representar uma tomada de consciência. Eu só consegui sair dessa porque minha mulher, Renata, acreditou e viu que existe saída. Foi ela que me encaminhou para um tratamento numa fazenda no Paraná. 
   Com o apoio da família e bons métodos terapêuticos, comecei a receber informações e a entender que eu não era um irresponsável. 
   Eu tinha uma doença. Ninguém começa com drogas usando crack. É a última, normalmente. A primeira é o álcool. Comecei aos quatro anos tomando medicamentos fortificantes que já continham álcool. A Organização Mundial da Saúde diz que há predisposição genética para alcoolismo e dependência química. Na adolescência, tinha os desafios auto afirmativos e eu acabava caindo e bebendo muito. 
   Depois, veio a influência da literatura dos anos 80, dos poetas e escritores do movimento Beat. Para mim, eram talentosos por usar drogas. Achei que este era o caminho para ganhar o Nobel de Literatura e acabei na cacrolândia.
   O crack é a droga mais cara do planeta. O sujeito toma uma dose de heroína e fica quatro horas sem usar, pois se usar mais tem overdose e morre. Com a cocaína é o mesmo. Já o crack, que é o lixo da cocaína, não tem overdose, mata aos poucos. O cara usa todos os dias, toda hora. Não tem fim. 
   O efeito é muito rápido. É um curto-circuito no cérebro que dura três segundos. É ir ao céu e voltar Por isso, falo para meus filho: “Droga é muito bom. É viciante”. 
   É a primeira coisa que temos de admitir quando queremos alertar os jovens sobre os riscos. Depois fica ruim, pode matar. É só síndrome persecutória.
   Já passei por clínicas de recuperação, salas de auto ajuda, Narcóticos Anônimos e posso dizer que é impossível tratar e recuperar dependentes sem apoio familiar. 
   Muitos perderam emprego, precisam de requalificação profissional e resignificar a própria vida, ampliar o repertório pessoal e a autoestima. 
    A taxa de recuperação nas clínicas e fazendas terapêuticas mais reconhecidas, entre aqueles que se internam voluntariamente ou foram convencidos por familiares, é bem baixa, em torno de 7%, 8%. Imagina para quem é levado à força. Já vi muitos dizerem que querem morrer usando. 
   Em vários casos tem de haver internação coercitiva. O bom de toda essa polêmica foi ter colocado o problema em discussão. Agora todo mundo fala da cacrolândia. (***Depoimento a ELIANE TRINDADE , Escritora do Prêmio Empreendedor Social, caderno Cotidiano, página B4, sábado 3 de junho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE S.PAULO).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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