quinta-feira, 11 de agosto de 2016

ETERNO CRONISTA


   Rubem Braga alternava humor com acidez para revelar conhecimento sobre música

   O Rubem Braga cronista incomparável, aquele que redimensionou o gênero no Brasil, é amplamente conhecido. Também o Rubem Braga correspondente de guerra, o mesmo que conseguiu a proeza de apontar para aspectos tocantes durante momentos tão terríveis. E ainda o Braga ecologista, o visionário que defendia a natureza em uma época em que isso mais parecia um capricho, já foi, de idêntica maneira, muito bem divulgado. Mas o cronista capixaba tratou com igual clareza e sensibilidade de assuntos pouco lembrados, como política, música e artes visuais. São justamente esses temas que compõem a coleção de três volumes lançada agora pela editora Autêntica, “Rubem Braga, Capixaba – Crônicas”.
   O cronista (1913-1990) deixou, em 62 anos de atividade profissional, a impressionante marca de 15 mil textos. Profissional da escrita, ele opinava sobre quase tudo com rara sensibilidade. Por meio de colunas escritas para a imprensa, Braga empenhava-se em defender a soberania do homem – e não apenas em crônicas líricas e delicadas. “O escritor capixaba sempre defendeu a democracia e os direitos humanos e criticou a desfaçatez dos donos do poder, a violência policial, a miséria dos trabalhadores rurais e a situação desastrosa da educação e saúde públicas”, atesta o também escritor Milton Hatoum, cronista do Caderno 2, no texto da orelha do volume “Bilhete a um Candidato & Outras Crônicas Sobre Política Brasileira”, organizado por Bernardo Buarque de Hollanda, convidado pela editora assim como os dois outros selecionadores. 
   Braga costumava diferenciar seus artigos de jornal do gênero da crônica, observa Hollanda, no posfácio da edição. “O primeiro tipo, para o escritor capixaba, era material efêmero, circunscrito ao interesse ordinário do dia a dia, cuja importância se esfumava com a passagem do tempo”, escreve. “O segundo, ao contrário, embora divulgado no mesmo suporte diário, era capaz de ter vida longeva, pelo significado mais amplo nele contido e projetado.”
   De fato, neste volume, Braga discorre sobre o poder em textos datados da década de 1940 à de 1980, período que cobre desde o fim da ditadura de Getúlio Vargas até o incompleto mandato de Fernando Collor de Melo. É particularmente interessante a cortante ironia com que o cronista trata do caudilho gaúcho que, durante seu governo imposto, promoveu a prisão de vários intelectuais, entre eles, Braga. Em texto escrito para o Correio da Manhã e datado de 1951, o cronista aproveita o relato da inauguração de 8 mil casas a comerciários, cerimônia comandada pelo então presidente, general Eurico Gaspar Dutra, para apedrejar a pompa e circunstância que sempre marcaram as cerimônias chefiadas por Vargas, enquanto Dutra foi “acompanhado apenas de oito pessoas, além de dois moleques que andavam por ali e saíram no retrato. 
   “Lidos em conjunto, os artigos ressoam com força nos dias de hoje, como se o cronista também olhasse para o futuro”, continua Hatoum que, como prova, destaca um trecho publicado em 1949: “Há uma cansativa tristeza, um tédio infinito nesse joguinho miúdo de combinação através dos quais se resolve o destino da pátria”. 
   Um olhar arguto e também premonitório Braga revelava quando tratava de música, tema do segundo volume, Os Moços Cantam & Outras Crônicas Sobre Música, organizado por Carlos Didier. Apesar de se autodenominar um “homem de pouca música e nenhum ritmo” e de ser um “homem de ouvido grosso”, Braga foi um visionário. Didier lembra que ele já usava a expressão bossa nova cinco anos antes de ela se tornar corriqueira (“ontem à noite entrou com uma bossa nova de canta”), além de ser um dos primeiros a notar o talento de um certo Chico Buarque (“a maior revelação da música popular brasileira dos últimos tempos”).
   Se a política e a situação social do País podiam lhe deixar mais casmurro, a música representava um bálsamo para Rubem Braga, fiel frequentador da noite e cultivador de boas amizades. As crônicas do volume traçam um panorama completo do cenário da canção carioca, desde as boates mais badaladas como a Sacha’s até o descompromissado Zicartola, onde, relata ele em uma crônica de 1964, antes de assistir a uma homenagem a Dorival Caymmi, conseguiu ouvir Cartola, Ismael Silva e Nelson Cavaquinho. “Cartola está com muita música boa, mas tive um ataque de saudosismo e pedi para ele cantar aquele samba que começa assim: ‘Não quero mais amar ninguém’, que ouvi de sua boca, em 1935,na Estação Primeira”.
   Se era generoso com artistas e estilos (“O Samba! Foi uma coisa que nunca me deixou desanimar do Brasil”, escreveu em 1948), Braga também sabia ser rigoroso até com as unanimidades. Como no artigo “Um Bo Retrato de Vinícius”, publicado em 1984, na Revista Nacional – o cronista é direto: “É claro que entre as letras de Vinícius há muitos instantes de boa ´poesia, mas a verdade é que, a grande maioria, lida sem música, é da maior banalidade”. 
   Tal coragem artística também marcou sua produção sobre artes visuais, tema do terceiro volume “Os Segredos Todos de Djanira & Outras Crônicas Sobre Artes Visuais”, organizado por André Sefírio. “Se no período em que mais escreveu sobre o tema, as décadas de 1950 e 1960 havia uma tendência concretista de julgar e estimular a arte, propondo procedimentos matemáticos e industriais de produção, a postura de Rubem está diametralmente oposta”, observa o escrito Miguel Sanches Neto, na orelha do livro “Fixa-se nos perfis biográficos, valorizando não as teorias, mas os contatos com os artistas (muitos de origem proletária) com o mundo, os fracassos diante da vida, as lutas para se construir uma trajetória de genialidade em um país ainda sem mercado para a arte e sem instituições que a estimulassem plenamente.”
   Durante meio século, Braga acompanhou a arte de forma crítica, ainda que escondido atrás do descompromisso. Fez perfis, olhou com precisão o trabalho de novos artistas e não relutava em apontar os caminhos que julgava mais corretos. “Todo analista de arte afina aos poucos suas ferramentas de trabalho, e Rubem foi muito mais que um analista de arte, foi grande poeta, e conheceu e conviveu com arte como qualquer crítico especializado do período”, disse Sefírio ao jornal O Estado de S. Paulo.
   Sefiro lembra-se que o cronista opinava sem medo de errar ou criar constrangimentos, e nunca pretendeu ser um crítico focial. “Era um cronista que gostava de escrever sobre arte, o que fez com muito propriedade. Na maneira de escrever, Rubem nasceu pronto e, em matéria de arte, se fez aos poucos até dominar muito bem a matéria, assim como acontece com os críticos profissionais.”
   O crítico fala ainda sobre a relação de Rubem Braga com Mario Pedrosa, um dos principais ( se não o principal) crítico de arte do Brasil, com quem o cronista manteve uma amável discordância. “Foram amigos, e os atritos se davam apenas nos jornais, havia um respeito mútuo”, afirma Sefírio. “E sempre existiu atrito entre poetas da crítica’ e ‘críticos oficiais’, estes em geral de perfil mais acadêmico. Como Rubem era um provocador e Mario um teórico, os atritos existiam, como também entre Pedrosa e Manoel Bandeira, que, nesses confrontos, se mostrava às vezes meio áspero, meio irritado. Já Rubem superava tudo isso com muito humor e em certos momentos até com sarcasmo. 
   SERVIÇO Rubem Braga – Crônicas; Autor – Rubem Braga: Organizadores – André Sffrin. Carlos Didier e Bernardo Buarque de Hollanda; Editora – Autêntica (736 páginas); Quanto – r$ 134,90. (UBIRATAN BRASIL – Agência Estado, página 4, FOLHA 2, domingo, 7 de Agosto de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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