domingo, 7 de maio de 2017

CANTOP TORTO FEITO FACA


    
   Com altos e baixos, entregas e sumiços, a vida de Belchior foi uma espécie de “divina comédia humana” O desaparecimento de pessoas sempre me deixou entre a angústia e a curiosidade. O que levaria alguém, de repente, abandonar casa, família, filhos, amigos e passar a viver como uma pessoa sem história ou sem passado aos olhos de quem a conhece só depois? A morte de Belchior, no último sábado, trouxe de volta o tema que me instiga. Muito já foi dito sobre suas músicas – belas composições que abordam, muitas vezes, seu medo, que não era só de avião. Mas seu sumiço é um tema que extrapola as análises que podemos fazer das canções, nas quis o poeta dá pista de sua angústia.
   Morta a pessoa e o personagem, fica a história de alguém que um dia, lá pelos idos de 2006, resolveu sair de casa abandonando mulher e dois filhos, cortando também com faca, como na canção “A Palo Seco” as ligações afetivas. 
   Li matérias que mostram que o sumiço de Belchior foi antecipado por “sintomas”. Houve o acesso de ira de um pedreiro, a quem ele devia e não pagava, que o fez pedir por socorro quando se sentiu acuado pelo homem raivoso que o ameaçou dentro de sua própria casa. O cantor chamou então por “Céilão, seu produtor musical durante décadas, que o livrou do inimigo momentâneo , mas não de seu pânico.
   A revelação de que estava traduzindo a “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, para uma versão popular, em músicas, com a recomendação a seu produtor de que não deixasse passar nada de errado, é outro sintoma de que alguma coisa mexia profundamente com ele, além das aparências. Neste período, quem sabe se sentisse como um daqueles personagens de Dante, difícil avaliar se no Céu, Inferno ou Purgatório. Mas a “Divina Comédia” foi uma de suas obsessões e tema de música. 
   Entre 2006 e 2007, ainda pressionado por dívidas, ele desapareceu, deixou uma porção de credores, apaixonou-se por outra mulher e a família ficou sem saber seu paradeiro. Para muitos, ele se tornou quase um dos personagens da lista de desaparecidos, um desses rostos que a gente vê em listas de rodoviárias e por quem as famílias buscam por um bom tempo querendo respostas. A angústia de perder alguém sem saber se a pessoa foi sequestrada, morreu ou perdeu a memória deve ser imensa. Mas Belchior foi desde sempre um desaparecido voluntário, deixou para trás carreira e dois carros, acumulando dívidas também em estacionamentos, como o do aeroporto de Congonhas. 
   Mais tarde foi localizado em pontos diferentes do país: da passagem por uma praia de Fortaleza até a moradia no Rio Grande do Sul, onde acabou falecendo, foram muitos anos. No intervalo, morou no Uruguai onde o programa Fantástico, da Rede Globo, o encontrou em 2009 e no qual ele revelaria que estava ali fazendo “um trabalho muito especial”. 
   Aventureiro e mítico, Belchior encarnou a vida nômade do artista amado e, no entanto, mal compreendido. Mas se em fases, antes do sumiço, suas músicas apresentavam modesto cinco mil acessos no Youtube, depois alcançaram cerca de 500 mil acessos quando todos já perguntavam: “onde andará Belchior”?
   Sua história repete a de outros artistas que se tornam mais amados quando atingidos por alguma desgraça: as dívidas, o desaparecimento e, por fim, a morte instigam o amor dos fãs que necessitam também de dramas. Mas, muito acima de toda esquisitice, Belchior plana como como um desses compositores que disseram à sua geração o que era preciso dizer, acertando o seu coração em cheio. De certa forma, cumpriu a promessa de uma de suas letras “eu quero é que este canto torto, feito faca, corte a carne de vocês”. Cortou mesmo. Belchior. E seu desaparecimento, agora definitivo, ainda dói. (Crônica de CÉLIA MUSILLI celia.musilli@gmail.com página 2, coluna CÉLIA MUSILLI, caderno FOLHA 2, 6 e 7 de maio de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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