domingo, 26 de fevereiro de 2017

HISTÓRIAS DE CARNAVAL



   Já tenho um samba-enredo completo e espalho histórias como quem joga confetes no salão

   Naquele carnaval, a amiga de infância atravessou a rua vestida de odalisca, com uma fantasia de ofuscar a vista, azul-turquesa e dourada, coisas das Mil e Uma Noites, dos sonhos de Sherazade, tesouro oculto revelado ao meio-dia. Eu não tinha fantasia, mas com a sombrinha multicolorida puxei o frevo com uma banda que não existia e diverti-me com a odalisca na calçada, graças à imaginação.
   Naquele carnaval, no clube da cidade, havia uma menina fantasiada de pássaro de fogo. Maiô de lantejoulas vermelhas, plumas na cabeça, uma cauda que imitava a beleza de uma ave real. Mas a menina era tímida e sambava em cima da mesa onde a tia libanesa a colocava como um bibebô. Ela sorria com o canto da boca, mal movimentava as pernas, de vez em quando a tia a animava, punha quilos de confete ao seu alcance, a menina usava tudo aquilo constrangida e lançava serpentinas como quem estende roupas no varal: levantando e recolhendo os braços sob o peso da obrigação. 
   Naquele carnaval, fui à praia com o primeiro namorado, ele me chateou durante quatro dias, enciumado por eu ter tantos amigos e cantar nas rodas de violão, tomando sol como um lagarto de biquíni marrom. Voltamos do passeio brigando. Foi meu primeiro “divórcio”, uma espécie da antecipação da rebeldia que determinaria rompimentos sempre que aparecesse alguém querendo ser dono. Foi meu primeiro “grito de carnaval” para um interlocutor que não entendia nada de confraternização, amizade e samba. 
   Naquele carnaval, quando já estava madura, troquei a folia pelo sossego do mar sem companhia, paisagens paradisíacas, praia deserta, castelos que fui construindo pelo prazer de dar forma ao meu pensamento na areia molhada. Havia reinos e plantas, peixes e barcos, eu mundo que eu fazia e que desaparecia no dia seguinte levado pelas ondas. Foi o carnaval do efêmero, um gosto que levei pela vida afora para exercitar minhas emoções, livrando-me delas antes da Quarta-feira de Cinzas. 
   Naquele carnaval, fui escalada para ir ao Rio de Janeiro ver o samba do Salgueiro numa quadra, antes do desfile na avenida. Os ensaios transformavam as pessoas em guerreiras da batucada, nos preparativos, a cada hora, sambistas iam ganhando envolvimento e cadência. Momento mágico foi ver a sala dos troféus junto com mestre Louro, um ícone do carnaval carioca que tudo sabia de surdos e cuícas.
   Naquele carnaval, levei meus filhos na avenida e com um deles caí no samba de mãos dadas, ele era melhor passista do que eu. Braços para cá, pernas para lá, o menino se transformou num rei. Sim, “todo menino é um rei”. O mestre-sala perfeito para uma porta-bandeira maternal e improvisada. Meu melhor troféu sempre será o seu sorriso, os pés infantis marcando o toque solene do surdo e o ritmo frenético dos tamborins. 
   Neste carnaval, fico longe da folia. Já tenho um samba-enredo completo e, sem cuíca, espalho pequenas histórias vividas, pequenas histórias contadas, como quem joga confete imaginário no salão. (Crônica da jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmail.com páginas 2 e 3 do caderno FOLHA 2, coluna CÉLIA MUSILLI,  25 e 26 de fevereiro de 2017,  publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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