domingo, 26 de fevereiro de 2017

CARNAVAL 'POLITICAMENTE CORRETO'?


   Blocos no Rio e SP dividem opiniões sobre a execução de marchinhas que, para alguns, manifestam preconceitos

   As notícias começaram a pular das páginas dos jornais aos poucos, anunciando que estes eram outros carnavais. Alguns blocos nos Rio e outros em São Paulo estavam dispostos a não colocar mais músicas consideradas incorretas nos repertórios. O Cordão do Boitatá, no Rio, decidiu reforçar os cuidados diante de sua proibição de não tocar “O Teu Cabelo Não Nega”, de Lamartine Babo. Os versos ‘mas como a cor não pega, mulata/ mulata eu quero o teu amor” seriam os vilões de um mundo que não condizia com a realidade. 
   Antes mesmo de os blocos requentarem a discussão, algumas das 140 rodas de samba do Rio já haviam subido a guarda para canções consideradas socialmente inadequadas. “Ai que Saudades da Amélia”, que Mário Lago e Ataulfo Alves fizeram em 1942, já está na lista das inexecutáveis. Surgidos anos depois dos versos sobre a mulher que não tinha a menor vaidade, os olhos verdes da mulata que aparece em Tropicália, de Caetano Veloso, também chegaram a ser hostilizados. Ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Caetano diz: “Sou mulato e adoro a palavra mulato: á como o país é chamado em Aquarela do Brasil, que é nosso hino não oficial. Sempre detestei “A Cabeleira do Zezé” por causa do refrão “corta o cabelo dele”, que é repetido como incitação a um quase linchamento. Mas não tenho vontade de proibir nada.”
   Em São Paulo, alguns blocos se posicionaram a favor com o cuidado com o que iriam tocar para não reforçarem preconceitos. O saxofonista Thiago França, do Espetacular Bloco da Charanga do França, que sai em Santa Cecília, explica sua posição: “Há um equívoco constante em relação ao que é tradicional ou clássico. Tradição também se inventa. O papel do artista é sempre criar, sempre retratar seu tempo. Criar coisas novas não tem a ver com negar o passado, aniquilar a tradição, acabar com uma cultura, pelo contrário: tem a ver com mantê-la atual, interessante, dialogar com o espaço/época.”
   João Roberto Kelly tem cerca de 100 marchas carnavalescas , todas longes de padrões instituídos décadas depois de suas composições: “Cabeleira do Zezé. “Menino Gay”, “Maria Sapatão” e “Mulata Bossa Nova” são algumas. “Nunca vi um patrulhamento tão grande, nem no tempo da ditadura. Carnaval é brincadeira, meu querido. A gente goza do careca, do barrigudo, não podemos levar as coisas ao pé da letra”. 
   Tom Zé se assusta quando ouve que sambistas estão deixando de tocar Amélia. “Puxa vida, mas ela uma mulher tão delicada... Carnaval é a época de fazer tudo ao contrário, mas agora querem consertar o mundo.” Sua mira é outra. Tom acaba de fazer uma marcha sobre a operação Lava Jato. “Homologo, logo, homologo/ mas querem transformar a Lava Jato em Lava Rápido/homologo, logo, homologo/e o país nesse teatro/pisa num rabo de gato”. 
   “Estão querendo mostrar serviço num lugar errado”, diz Djavan. Para ele, a discussão do reforço de estereótipos precisa passar, antes, pela educação. “O racismo está ligado à falta de formação, desde sempre.”
   Para Ney Matogrosso, há patrulhamento. Ele lembra que “Maria Sapatão”, por exemplo, não está falando da mulher quando diz que “o sapatão está na moda, o mundo aplaudiu/É um barato, é um sucesso/ dentro e fora do Brasil”. “Estão gastando energia com coisas desnecessárias”, diz. 
   O pesquisador Tárik de Souza também fala: “Ninguém pode ser obrigado a cantar o que não quer. Mas a volta da censura, mesmo por razões consideradas nobres, é algo assustador. O carnaval tem sempre um sentido anárquico e caricatural. Já pensou se forem revisar também as chanchadas da Atlântida, vetar os os personagens malvados e politicamente incorretos dos folhetins de TV? Vamos acabar num quartel ou num colégio de freiras carmelitas?” Seu colega de profissão, Ruy Castro, se atenta ao termo “mulata”. “Das dezenas de marchas que falam da mulata, muitas foram compostas por Assis Valente, Wilson Baptista, Haroldo Lobo, a dupla Zé e Zilda, Haroldo Barbosa, Monsueto Menezes, etc. etc., e lançadas por cantores como Orlando Silva, Sílvio Caldas, Aracy de Almeida, Carmem Costa, Ciro Monteiro, Moreira da Silva, Jorge Veiga, Ângela Maria etc. etc. Todos mulatos. E não viam nenhum problema nisso.”

   MÚSICAS AO VIVO 

   MARIA SAPATÃO 
   A música de João Roberto Kelly, feita com a colaboração de Chacrinha, foi a mais executada no carnaval de 1981. A expressão pegou imediatamente.

   CABELEIRA DO ZEZÉ
   João Roberto Kelly e Roberto Faissal compuseram outro hit para todos os carnavais. Sua letra é acusada de reforçar preconceitos contra gays, sobretudo na parte do “será que ele é, bicha!”

   O TEU CABELO NÃO NEGA
   Lamartine Babo fez uma das mais imortais marchinhas em 1932 com versos como “o teu cabelo não nega, mulata/porque és mulata na cor/Mas como a cor não pega, mulata/ mulata, eu quero o teu amor.”

   A PIPA DO VOVÔ 
   A marcha de Manoel Ferreira e Ruth Amaral ficou famosa na voz de Sílvio Santos em 1987. Há intérpretes que julgam a letra preconceituosa contra os idosos. 

   MULATA BOSSA NOVA
   João Roberto Kelly, de novo, faz outra música acusada de racista anos depois. À época, não houve nenhuma resistência. O problema seria o uso da palavra mulata. 


   AI, QUE SAUDADES DA AMÉLIA
   A música de Mário Lago e Ataulfo Alves , de 1942, proibida em algumas rodas de samba do Rio de Janeiro, reforçaria a imagem do machista e da mulher ultra-submissa. (JULIO MARIA – AGÊNCIA ESTADO, caderno FOLHA 2, 25 E 26 de fevereiro de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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