terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

DE MENINO A MENINA

A flautista Uiara Pimenta, 31, com o filho Oliver, 7


   Flautista conta a história do filho que nasceu Olívia e hoje se chama Oliver; luto e briga com a família e a escola vieram antes da aceitação


   RESUMO - A flautista Uiara Pimenta, 31, teve de enfrentar parte da sua família e a direção do colégio onde estuda seu filho Oliver. Ele nasceu Olívia em 2009, e desde os quatro anos afirma ser menino, o que levou a mãe a cogitar que fosse um caso de transexualidade. Aos sete anos, a criança é acompanhada no Instituto de Psiquiatria doo HC da USP, onde está prestes a fazer um tratamento para retardar a chegada da puberdade. 

(...) Depoimento a  CHICO FELITTI- COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

   Em 2009 eu fiquei grávida. Eu outubro, tive uma menina, para quem demos o nome de Olívia, em homenagem à avó paterna dela, que tinha morrido de câncer. 
   A Olívia sempre foi uma criança bondosa, sensível, mas nunca teve jeitinho de princesa. Tenho outra menina, de três anos e 11 meses, que sempre foi muito princesinha. Mas eu mesma nunca fui muito menininha, usava calça de skatista, camiseta folgada, então achava o Oliver uma menina normal. 
   As brincadeiras eram sempre de dinossauro, carrinho, jogos eletrônicos, Pokémon, Aí chegou uma época, quando ele tinha quatro anos e meio, que comecei a sentir uma coisa diferente. Ele se sentava na cama e dizia: “Olha só, mamãe, eu sou menino, sou um herói”, E eu dizia: “O que é isso, menina? De onde você tirou isso?”
   O pai dele sempre foi muito fechado, filho de policial. Eu percebi que isso estava fazendo mal para o Oliver. Quando ele tinha cinco anos, gravei um vídeo em que eu perguntava para ele: “O que você é?”, e ele respondia, “Eu sou menino”. Levei ele para cortar cabelo bem curto. 
   Comecei a comprar camisetas de dinossauros, mas ele continuava usando a parte de baixo do departamento feminino. Até que um dia, meses depois, eu comprei um sapato masculino para ele usar numa festa na casa da família do pai. Me chamaram de louca, quiseram me bater. Me acusaram de querer ter um casal e por isso estava influenciando a criança. Jamais! “Eu amo menina, queria ser mãe de menina desde o primeiro momento que olhei para a Olívia. Jurei que nunca mais iria na casa da família do pai dele, por mais que a gente seja ainda muito amigos, mesmo separados. 
  Com cinco anos, prometei para ele que nunca mais ele teria que suar roupa de menina. Ainda assim o estojo dele era rosa, os lápis eram rosa. Ele mastiga o lápis até que saísse a tinta rosa. Postei no Facebook um vídeo de ele ganhando as primeiras roupas de menino, e ficando emocionado. Meu pai falou: “Você tem que tirar isso agora ou vai ser presa! Isso é um absurdo!”
   No começo, eu fingi que aceitei numa boa. Fingi porque é muito difícil. Eu não queria que ele visse que eu estava triste. Tinha medo de fechá-lo para o mundo. Ele me implorou, me pediu, vi que não tinha mais saída. Eu entrei em luto em 2015, quando percebi que estava perdendo minha menininha. Mas, ao mesmo tempo, eu tinha que salvar o meu menino que estava surgindo. Eu sempre pensava que se ele sofresse muito bullying, poderia ficar traumatizado. 
   Trocamos o estojo por um do Homem-Aranha, mas não bastou. Ele estudo numa escola muito tradicional, onde eu também estudei, patrocinada por um banco. Chegou um momento em que ele falava abertamente: “Sou menino”, mas as professoras não levavam a sério. Não podia usar o banheiro de menino. Ele começou a ficar rebelde. Cortou o cabelo na frente da classe, jogou guache. 
   Eu nem sabia o que era transgênero. Sabia de lésbia, gay e era isso. Descobri na internet que havia um centro de transgênero no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.
   Em dezembro de 2014, liguei lá e consegui uma consulta para três meses depois. O Oliver foi e, na frente de 20 pessoas, fez a triagem. Eu tive de explicar, porque ele ficou tímido. Ele continuou vendo a psicóloga do núcleo, uma vez a cada 20 dias. Fez no finalzinho do ano exames para ver se a puberdade está chegando, porque vamos bloquear a puberdade para evitar os primeiros sinais de desenvolvimento feminino, a menstruação, os peitinhos. 
   Depois, a partir dos 14 anos, se ele quiser, pode-se começar a usar hormônios masculinos. Percebo que há essa cultura no Brasil de que é a mãe que cuida do que a criança vai sentir. Não respeitam a vontade da criança. 
   Teve um episódio que me ajudou a lidar com isso. Em 2013, quando a irmã do Oliver tinha dois meses de vida, ela pegou H1N1, gripe suína. Ela ficou dois meses na UTI, quase perdi minha menina. Quando ela não morreu, eu fiz um combinado com Deus e com Santa Cecília: se ela vivesse , eu a batizaria de Cecília e aceitaria que meus filhos não são só meus, são do mundo. 
   Isso me ajudou a superar a questão do Oliver. Hoje eu vejo: o que é ser transgênero perto de uma menina que quase perdeu a vida?
   A gente morava com minha mãe até setembro de 2016. O Oliver ia para a escola sozinho. Os amiguinhos do prédio eram extremamente preconceituosos. Quando viram a mudança dele, diziam “Cala a boca, você é menina!”. Ele não queria mais descer para brincar. Os próprios porteiros se recusavam a chama-lo de Oliver. 
   Mudamos de casa, e eu nunca vi tanta criança dentro de casa. No final de 2016, a coordenadora permitiu que ele usasse o banheiro masculino. São pequenas vitórias. Ele está muito feliz. (FONTE: Caderno COTIDIANO, página B8, MINHA HISTÓRIA, UIARA PIMENTA, 31, FOLHA CIÊNCIA + SAÚDE, domingo, 19 de fevereiro de 2017, publicação do jornal FOLHA DE S.PAULO).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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