domingo, 6 de março de 2016

O DUALISMO DIREITA E ESQUERDA: ENTRE PENSAR E SER PENSO


   Existiu um tempo ( e não faz tanto tempo assim) em que crianças, desprovidas da quantidade exorbitante de cacarecos tecnológicos hoje disponibilizados aos pequenos, se interessavam pouco pelos espaços internos de suas casas e viam na rua o ambiente propício para simplesmente desfrutar de uma variedade tão grande de brincadeiras que, se não desapareceram por completo, ainda habita o imaginário de quem um dia se esbaldou na unha da mula, polícia e ladrão, burquinha ou bolinha de gude – dependendo da região – bets, salada mista, bola na rua, bater bafo, pega-pega, esconde-esconde, e por aí vai .
   Além das brincadeiras citadas, nas quais regras e códigos eram fundamentais para o desenrolar da interação entre as crianças, existiam algumas em que certas habilidades se faziam necessárias devido a uma complexidade específica. Uma delas está no ato de soltar pipa. Se na atualidade algumas moedas são suficientes para qualquer um sair de um bazar pronto e levá-las aos céus, houve um tempo em que comprar pipa era sinônimo de preguiça. O bacana mesmo era fazer uma. Ir atrás do bambu e cortá-lo em tiras conhecidas como varetas; preparar uma armação coerente, com medidas peculiares; encapar com pouca cola, pois a pipa pesada não voa; cortar em tiras as sacolas de mercado e fazer, com muita calma, a rabiola; e, no final, envergar com cuidado a armação para não quebrar e amarrar o cabresto. 
   Depois de tanto esforço, tempo e paciência, vinha o momento de provação derradeira do potencial da pessoa: em meio aos olhares desconfiados das demais crianças, a apreensão estava em verificar se a pipa iria subir ou não; mas um dos principais temores, motivo de piada e vergonha por parte do fabricante mirim, era se a pipa ficasse pensa. E aí pouco importa se para direta ou para esquerda. Pender apenas para um dos lados, mesmo que de leve, era o atestado naquele universo infantil – suficiente para demonstrar que todo empenho contido no ato de fabricação da pipa foi em vão. 
   O sentimento de nostalgia exposto no relato da construção da pipa pode muito bem servir como metáfora para uma questão que vem, nos últimos anos, travando pleno desenvolvimento de nossa jovem e frágil democracia: o dualismo limitado presente no discurso de ser de direita ou ser de esquerda. Principalmente após as últimas eleições para presidente, em que Dilma Rousseff obteve a maioria dos votos frente ao candidato de oposição Aécio Neves, vem crescendo o número de pessoas interessadas em requentar, em pleno século 21, perspectivas ideológicas que se originaram na Franca pré -Revolução do no final do século 18, foram instituídas intelectualmente por diversos pensadores no século 19 e transformadas em uma espécie de mantra principalmente após a Segunda Guerra Mundial que acabou conduzindo o mundo no século 20 a uma bipolaridade das ideias. 
   Mas o leitor deve estar se perguntando o que cargas d’água tem a ver a pipa com a política? A analogia é a seguinte: uma pipa que daria orgulho ao seu fabricante era aquela que só pendia para os lados sob comando de seu proprietário. Assim, centralizado nas alturas pode desbicar, quando convinha, tanto para a esquerda quanto para a direita ariscando, se necessário, até um arrojado retão. Mas, no final, a tendência era a pipa voltar ao seu pragmatismo de origem. 
   O discurso baseado no mais puro senso comum e presente na fala tanto de esquerdistas quanto direitistas está minando a capacidade das pessoas de construir conhecimento, fugindo da propagação de premissas direita /esquerda que, detalhe, já passaram do tempo de ser ressignificadas. Como o Brasil atravessa o mais longo período democrático de sua história, e continuar trabalhando para o fortalecimento da única forma de governo onde a sociedade pode questionar aquilo que bem entender é premissa essencial, fica a pergunta: até quando o pensar penso irá prevalecer? ( LEANDRO CESAR LEOCÁDIO, professor de História e mestre em História Social pela Universidade Estadual de Londrina, página 2, ESPAÇO ABERTO, sábado, 5 de março de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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