segunda-feira, 20 de novembro de 2017

'O BRASIL É O PAÍS MAIS RACISTA DO MUNDO'


"O Brasil está me dando palco para falar, mas tem milhares de mulheres negras com talento e potencial sem nenhum espaço", afirma Alexandra Loras   Ex-consulesa da França, a ativista Alexandra Loras esteve em Londrina levantando a bandeira do empoderamento das mulheres negras e da luta contra o preconceito racial 

   Ao desembarcar em Londrina na última terça-feira (14), a ex-consulesa da França em São Paulo, Alexandra Loras, foi direito para o saguão do hotel onde atendeu a equipe da FOLHA. Cordial, ela mesma buscou o melhor espaço para a entrevista e ainda se preocupou em compor um cenário com um arranjo de flor. Loras foi apresentadora de televisão, após se graduar em jornalismo. Escreveu livros, frequentou a prestigiada IEP (L’École livre de Scienses Politiques) de Paris, instituição de formação da elite política francesa, e desde então vem acumulando uma vasta experiência como consultora e palestrante em empresas, como o Google. 
   Mas contar sua trajetória profissional pelo currículo seria pífio por parte da reportagem, pois sua atuação em diferentes territórios é movida por grandes frentes: a defesa da diversidade nos ambientes corporativos, o empoderamento de mulheres negras e a luta contra o preconceito racial. 
   Loras esteve pela primeira vez em Londrina, a convite do coletivo de mulheres negras “Black Divas” com o objetivo de ajudar o público feminino a resgatar a autoestima e seus valores, a partir de sua própria história. “Gosto muito de compartilhar minha experiência porque sou uma mulher que nasceu no gueto mais perigoso da França, com uma trajetória familiar complicada e uma voz dizendo que eu não poderia ocupar os espaços de poder. Mas eu busquei meus valores e cheguei à melhor escola de ciências políticas da Europa”, conta. 
   Ao ser questionada sobre o título de líder ativista, ela responde que prefere se posicionar mais como uma antropóloga que usa ferramentas da sociologia e filosofia para trazer reflexões que mexam com o sistema, com a sociedade. “Vejo que tenho um espaço de fala porque tenho um status diplomático, porque cheguei aqui neste país como consulesa da França. Hoje, o Brasil está me dando um palco para falar, mas tem milhares de mulheres negras com talento e potencial sem nenhum espaço”, comenta. 
   Nesse pensamento, Loras se pergunta onde é que estão o Barack Obama, Spike Lee e Beyoncé brasileiros, e faz questão de lembrar que grandes invenções foram feitas por negros, como o semáforo, o marcapasso, geladeira, ar-condicionado, a antena parabólica. “Tem tantos negros talentosos para agregar valor à sociedade, mas eles não têm oportunidade de se expressar, nem mesmo de colocar seu ponto de vista”, aponta ela, que cita um exemplo recente: a demissão do apresentador da Rede Globo, William Waak. 
   “Nós vimos muitos brancos falando que ele não é racista , mas cadê os negros na pauta? Deixe os protagonistas que são vítimas do racismo falar se eles se sentiram humilhados, agredidos e desrespeitados”, provoca. 
   ENXERGAR A REALIDADE
   Casada com o diplomata Damien Loras, com quem tem um filho, Alexandra se mudou para o Brasil há quatro anos. E aqui, entre os inúmeros países onde morou e visitou, observou uma realidade cruel: “o Brasil é o país mais racista do mundo, de longe.”
   A resposta para tal afirmação é dada por ela mesma. “Depois da Nigéria, é o país que mais tem negros no mundo inteiro (54% de negros autodeclarados) e que não consegue enxergar a própria realidade. Os brasileiros choram sobre o Charlie Hebdo, sobre os ataques terroristas da Europa, mas tem um genocídio acontecendo aqui que é muito pior que lá. E é isso que me incomoda”, diz. 
   Para se ter uma ideia, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras, de acordo com o Atlas da Violência 2017, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em parceria com o FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). 
   Loras prossegue a fala afirmando que o racismo é sutil. “Os brancos falam que o racismo é velado no Brasil, mas é porque eles não passam pelas humilhações cotidianas que passamos”, diz ela, citando que ao frequentar o supermercado e comprar produtos importados por ser estrangeira, sempre é rodeada por um segurança. E no aeroporto de Guarulhos, sua mala é sempre revistada. “Viajo muito e sou revistada 80% das vezes, enquanto meu marido nunca foi em dez anos de casados”, revela. 
   INVERSÃO DE PAPÉIS
   Loras diz que no Brasil a população é bombardeada o tempo todo com mensagens subliminares sobre como odiar, ter medo e inferiorizar o negro. Por isso, ela tem certeza que descobriu sua missão de levar o público a repensar o quanto a sociedade tem uma narrativa egocêntrica, que ajuda a trazer raciocínios racistas.
   “Somos todos responsáveis para reequilibrar nossa sociedade porque basicamente ainda é o branco que tem a chave do jogo, que tem privilégios, que tem dificuldades para nos encontrar, enxergar nosso potencial, nos dar respeito e dignidade dentro da narrativa da novela e dos desenhos animados”, sustenta. 
   Para ela, o racismo está tão instalado em todos os aspectos da sociedade que as pessoas nem param para questionar o problema. “Estamos acostumados a usar nude, lápis cor da pele, shampoo normal. O que é essa normalidade? Temos que entender que a luta contra o racismo não é combate. É uma obra em construção”, ressalta. 
   Em suas palestras, Loras faz uma dinâmica que ela chama de “mundo inverso” para incitar essa reflexão. Ela pede para que as pessoas imaginem que o mundo é invertido, onde tudo que é feito pelos negros é considerado lindo, inteligente , intelectualmente e esteticamente superior. Até as narrativas dos livros didáticos, desenhos e da mídia teriam apenas personagens negros, assim como os inventores, revolucionários, políticos e até o Papa. 
   “E a única coisa que sabemos sobre os brancos é que foram escravizados. Como seria essa sociedade? Chocante, cruel e absurda. E em 2017, é esse tipo de sociedade que nós negros ainda temos”, salienta. 
   No próximo mês, Loras vai expor seu trabalho chamado “Ativismo Negro” na galeria Rabieh, em São Paulo. “Vou revisitar personagens da história, de negros, como a Xuxa, Temer, João Dória, William Waak, Charles Chaplin, Rainha da Inglaterra, entre outros.”
   CONSCIÊNCIA NEGRA
   Alexandra Loras esteve em Londrina uma semana antes do Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro e faz questão de validar a data. “A consciência negra não tem cor. Meu filho nasceu branco, mas ele vai ter a consciência negra. Então quando escuto os brancos perguntando quando vão ter o dia da consciência branca, eu digo que eles têm os 364 dias do ano”, afirma. 
   Ela sabe que a data não é considerada um feriado em Londrina. “Acho um absurdo porque a cidade tem 37% da população de negros, conforme o levantamento do coletivo Balck Divas. São 24 horas para refletir e não esquecer os 400 anos de escravidão, humilhação e violência extrema. Acho muito triste não comemorar”, finaliza. 
   Confira a entrevista, utilizando aplicativo capaz de ler QR code e posicionando no código abaixo:
(FONTE: MICAELA ORIKASA – Reportagem Local, página 5, FOLHA GERAL, geral@folhadelondrina.com.br segunda-feira, 20 de novembro de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA). 

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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