quarta-feira, 21 de novembro de 2018

SEM BARREIRAS PARA A INCLUSÃO


‘Nós tínhamos uma casinha no pé de abacate e todo mundo queria subir lá’, ri com a lembrança. Essa era a diversão das mais de 20 crianças da vizinhança na casa do Jardim Califórnia (zona leste) onde vivia, mas recorda que a tia 10 anos mais velha não conseguia subir sem ajuda. Cristiane de Freitas, 47, cresceu querendo entender a razão de algumas crianças terem mais dificuldade que outras. A curiosidade levou ao estudo e trabalho com educação especial, área que lhe rendeu, no final de outubro, o título de Cidadã Benemérita pela Câmara Municipal de Londrina. Mulher, negra, de infância pobre, ela conta como a experiência foi a base para querer mudar a vida de pessoas excluídas socialmente. 
   A tia, Sidália Ugolino, 58, estava presente no dia da homenagem. Com um membro inferior menor que o outro, sempre teve o apoio da família para incluí-la nas brincadeiras quando criança, apesar das dificuldades. Foi nesse ambiente que Cristiane nasceu, em uma casa de nove tios, mãe, avó e avô. Procurando respostas, entrou na graduação em Educação Física, com a responsabilidade de ser a primeira da família a ingressar no curso superior. “Era uma família de renda muito baixa, negra, então todas essas barreiras a gente enfrentou. Ali tinha um incentivo muito grande foi uma surpresa para a família ter uma professora”, diz orgulhosa, com palavras muito bem articuladas em uma voz serena de professora boazinha. 
   Durante a faculdade, experiências no Instituto dos Cegos e na Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) a colocaram na direção certa apesar das críticas. “Eu era atleta, as pessoas diziam que eu podia trabalhar com esporte de alto rendimento, com o corpo belo, perfeito, e eu fiz a escolha por essa área. Em determinado momento eu repensei: ‘por que eu vou me matar aqui com esse aluno, às vezes, ter que limpar um xixi, um cocô, vômito, se eu posso estar na academia?’. Eu até tentei, fui professora de aeróbica, mas não deu, eu queria mesmo é estar em uma escola especial”, sorri com os braços encostados na pasta que carrega o documento da homenagem.
   Foram 12 anos entre estágio, voluntariado e emprego formal na Apae até ser convidada a trabalhar com a capacitação de professores e atendimento educacional especializado nas escolas regulares, em 1998. “O maior desafio que eu vejo hoje não é nem o aluno com necessidades especiais, mas a sociedade preconceituosa com a qual a gente convive. Essas barreiras fazem com que o o processo de inclusão não se efetive”, critica. 
   A sala de recursos onde a entrevista ocorria é diferente de uma sala comum. Mesas maiores, instrumentos musicais, jogos, computadores ficam organizados para estimular esses alunos. É neste ambiente que propõe empatia na educação. “Muitos profissionais precisam conhecer a pessoa e não a deficiência. A partir do momento em que o profissional entende que esse aluno, mesmo com todas as limitações, tem potencialidade de aprendizado, a inclusão se efetiva”, aponta. 
   O resultado positivo vem nos encontros. “Quando eu vejo um ex-aluno trabalhando em um supermercado, lojas, vejo que conseguimos fazer essa inserção não só educacional, mas profissionalmente. Esse é o melhor resultado que a gente pode ter dento desse trabalho”, afirma. Colhendo os frutos, a professora foi convidada a integrar a Associação Mundial da Educação Especial, em que assume a responsabilidade de agir em prol dessas pessoas que exigem – e merecem – ter qualidade de vida. 
   A compreensão desse desejo vem também da própria dificuldade em transpor barreiras. “Alguns dias a gente não tinha a comida para ir para a escola. Era uma aguinha com açúcar e ia, às vezes, caminhando os cinco quilômetros até o colégio. Hoje, fazendo essa análise, tanto a minha avó quanto a minha mãe foram importantíssimas para não me deixar desistir”, conta emocionada a professora que hoje finalizou o mestrado e ingressou no doutorado. 
Programa que avó e mãe não viram acontecer. “Era um sonho meu, da minha mãe e minha avó que eu fosse doutora, eu estou concluindo esse sonho”, comenta, sentindo a falta das duas para ver as conquistas. Ficam as lembranças de incentivo, da avó que pedia para ler panfletos e protegia até do que nem parecia tão claro. “Ela dizia: ‘você não pode usar vermelho, amarelo, porque negro não fica bem’. Ela queria me proteger do preconceito que eu poderia passar, mas como ela me fazia ler muito, fui vendo que negro podia sim. Foi uma troca, eu senti que ela me empoderou, me deu essa base que me possibilitou levar para casa que a gente podia chegar onde a gente quisesse”, recorda e confirma. “Hoje a cor de minha pele não impede de chegar aonde eu quero”. 
   O incentivo foi necessário e hoje é replicado com muita propriedade. “É uma superação, me sinto como referência para muitas mulheres. Mulheres e mulheres negras, porque se a gente for pensar nossa história, toda essa resistência que a gente sofreu, não era para eu ter conquistado tudo o que eu conquistei”. A fala consciente também é levada para a filha, Rafaela de Freitas Isabel, 18, que cresceu envolvida com o trabalho da mãe. 
   Atualmente, como vice-diretora no colégio estadual Antônio de Moraes Barros, no jardim Bandeirantes (zona oeste). Cristiane de Freitas sente que o carinho recebido na família pode ser o motor para muitos estudantes. “Nós temos jovens com potencial imenso, mas que precisa ser cultivado, principalmente na escola pública. Em cada conversa, eu sempre procuro mostrar não os defeitos, mas as qualidades que eles têm e que vão levá-los para onde eles quiserem”, diz. Para ela, a sociedade não acredita em uma escola pública que forma cidadãos, mas trata de argumentar. “Eu sou fruto da escola pública e com esse reconhecimento acredito que a gente tenha contribuído”, aponta. 
   Experiente com os desafios da vida, mostra com sorriso no rosto que é preciso continuar, mesmo diante das dificuldades. Garra e força não lhe faltam. “Ser mulher, negra, professora de educação física e trabalhar na educação especial são fatores que determinados espaços foram muito difíceis de conquistas, mas a partir do momento que você conhece seu potencial, que luta por isso, é como se tirassem uma venda dos olhos e gente consegue”, finaliza como quem acaba de dar uma aula. Das crianças especiais aos leitores de sua história, a professora ensina mesmo quando não é seu objetivo. (FONTE: LAÍS TAÍNE, Reportagem Local, caderno FOLHA GENTE, 17 e 18 de novembro de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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