“A palavra ‘porque’ pode ser dita de vários modos, experimente
Alguém pergunta se é cumieira ou cumeeira da casa, digo que é cumeeira pois a palavra vem de cume, a parte alta de morro ou montanha, como a cumeeira está na parte mais alta do telhado; daí fiquei pensando no mundo das palavras, não sei porque.
A palavra ”porque” por exemplo: pode ser dita de tantos modos, experimente. Perguntando. Respondendo. Explicando. Enrolando. Ou até mandando: Porque eu quero e pronto!
Então lembro de perguntar ao neto Caetano qual a maior das palavras, ele embatuca, revelo: é inconstitucionalissimamente, coisa que no meu tempo todo guri sabia. E ele me pergunta pra que servia saber isso, concordo que é nostalgice minha, sendo nostalgice um neologismo, palavra inventada.
Legal, diz ele, sendo “legal” uma gíria lá do meu tempo de menino, significando coisa boa, nada a ver com estar de acordo com as leis, sentido original da palavra.. As palavras se reinventam.
E também se renovam, como “fascismo”, que agora ressurge a significar autoritarismo e aversão a mulheres e gays mas, na sua origem italiana, significava coesão, pois vem de “fascio”, feixe, união de hastes – como Mussolini sonhou todos os italianos em torno dele (que entretanto acabou sozinho e linchado depois de, tão machista, ter se travestido para escapulir.
Aliás, travesti vem do latim/italiano, disfarçar-se através de vestido, inicialmente coisa de homens atores e carnavalescos lá ainda no século 19, até se consolidar como palavra para homens não só vestidos mas assumidos como mulheres. Entretanto, pode ter sua versão feminina também, como Joana Darc e nossa Maria Qiuitéria se travestiram de soldados. Assim, também as lésbicas que se vestem masculinamente merecem a palavra travestidas, embora não sejam travestis, A Língua é geniosa com os gêneros .
Velhas palavras ressurgem gloriosamente como “deletar”, que existiu lá no Latim, significando apagar, e depois dormiu muitos séculos, até ser ressuscitada pela informática.. E há palavras novas que surgem de partos complicados como “uatsap” ou, na forma mais antiga (de poucos anos atrás...) “watsup”, que vem da expressão inglesa “what’s up” (que é que há?), ou seja, o celular toca, você vai ver o que há, o zap que chegou. Não confundir como “zap” de “zapear”, que vem do inglês também significando “apagar” e acabou designando o ato de pular de um canal para outro na tevê, assim “apagando” o canal anterior. A Língua tem dessas zoeiras.
Gosto de recriar palavras antigas, como serelepemente e salamelequetal, estrimiliquice, Eletroquetrocutado, escorreguinhentança, estrondoloso (aquele estrondo que chega a doer), bobocosidade (bobice oca de tão boba), embora a esta altura você esteja achando isto imbecilinigualável ou simplesmente estúpido, o que faz lembrar “ a sua estupidez não lhe deixa ver”, de Roberto e Erasmo, o mais impactante verso de amor da Língua.
“Atabalhoadamente” então, não parece que sai da boca aos trancos e barrancos? “Chilique” não parece estar mesmo tendo “chilique? “Pompa” parece tão cheia de si, “esquálido” tão desmilinguido.
Já “concomitantemente” não parece mais a forma mais cartorária de dizer “ao mesmo tempo”? Faz lembrar Graciliano Ramos, quando revisor de jornal, de repente deparou numa notícia com a palavra “outrossim”. Deu uma tragada funda no seu cigarro sempre à mão e lascou.: “Outrossim é a pqp! – daí riscando a palavra. E parece que a praga pegou, porque “outrossim” sumiu pelo menos da língua falada por quem não usa roga.
Então, aproveitando que ainda não existe “outronão”, e como dizem to-dos os telejornais, vamos finalmente por aqui. (FONTE: Crônica escrita por DOMINGOS PELLEGRINI, d.pellegrini@sercomtel.com.br página 3, caderno FOLHA 2, coluna AOS DOMINGOS PELLEGRINI, 24 e 25 de novembro de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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