Esta semana, estreou em Londrina o documentário “Isto (Não) é um assalto”, dirigido por Rodrigo Grota. A Folha 2 publicou matéria sobre o filme no último fim de semana. Na foto principal da página, reféns saem de uma agência do Banestado, em 1987, formando um cordão. No meio deles o repórter Paulo Ubiratan, que se ofereceu para ir junto no ônibus solicitado pelos assaltantes para conduzir os reféns que serviriam de garantia para deixarem a cidade sem serem presos.
Vejo a foto e volta à memória a impetuosidade de um repórter polêmico com quem trabalhei nos anos de 1990. Ubiratan era gaúcho de Santa Maria, antes de chegar a Londrina havia trabalhado em vários veículos do Rio Grande do Sul. Trazia na veia a determinação de fazer dos fatos, notícia, gostava de trabalhar com algum estardalhaço, o que causava polêmicas. Além do jornalismo impresso, dedicou-se ao rádio e à TV numa versatilidade que lhe rendia dias cheios, o jornalismo era sua vida. Ele faleceu em outubro de 2010.
Nunca duvidei que ele seria capaz de ato heroicos como aquele de se oferecer como refém num assalto. Com isso deixou para a história a síntese de sua determinação de não só fazer notícia, mas ser notícia.
Na metade dos anos 90 a Folha me incumbiu de um projeto novo. Editora do caderno de cultura durante muito tempo, fui designada para editar o caderno Reportagem Especial., que trazia temas candentes, geralmente reportagens de denúncia sobre as mazelas nacionais. Era ainda uma editora relativamente jovem e trabalhava com dois pesos-pesados da reportagem. Paulo Ubiratan e o matogrossense Luiz Taques que, em 1981, ganhou o prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos com uma reportagem sobre o trabalho escravo nas carvoarias de Mato Grosso do Sul.
Ubiratan carregava a pecha de “repórter policial” num tempo em que as redações eram bastante setorizadas. Na condição de cobrir o noticiário policial ganhou tantos amigos quanto fez inimizades. Mas esta era a vida de Ubiratan que também se saía bem em outros temas, porque seu desejo era sempre de se atirar na notícia, como se as pautas fossem uma questão de vida ou morte.
Tudo ou nada era uma metáfora do jornalismo que, naqueles anos, ainda não tinha se burocratizado pelas imposições do tempo. Valia o cara a cara do repórter com o entrevistado, em matérias quase nunca apuradas pelo telefone, quanto mais pelo e-mail ou pelo WhatsApp.
Ubiratan tinha DNA de repórter. Eu me divertia com a gauchice explícita em cada pauta e, de vez em quando, amenizava seu cotidiano com temas mais tranquilos, como a entrevista que ele fez com Orlando Villas-Boas, o indigenista que também deixou seu nome na história. Um dia, Orlando apareceu em Londrina sem muito aviso. Fomos pegos de surpresa e pautei Ubiratan para entrevistá-lo numa missão que duraria uma tarde inteira e uma boa matéria.
A gauchice também acompanhava Ubiratan em atos cotidianos. Lembro-me de uma vez que resolveu preparar para minha família uma galinha ao molho pardo. Apareceu em casa com a bichinha viva e a pendurou no varal para sangrar antes de preparar o quitute. A única coisa que consegui fazer foi correr de pavor, enquanto os gatos se maravilhavam com a cena da galinha se debatendo viva. No fim das contas, até isso entra para as lembranças ternas de um dos últimos repórteres românticos que conheci.
Ao vê-lo ainda jovem no cordão de reféns da foto do assalto ao Banestado, só posso dizer que Ubiratan fez parte de um jornalismo perdido no tempo. Aquele que provocava tanta polêmica quanto sustos Alho assim como uma galinha ainda viva dependurada no varal, tão insólita quanto deliciosa depois de pronta. Eram assim as matérias que Ubiratan escrevia para a FOLHA, misturando o jornalismo à própria história, sempre como um caso de vida ou morte. (FONTE: Crônica escrita por CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmail.com página 2, caderno Folha 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 24 e 25 de novembro de 2018. Publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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