terça-feira, 21 de março de 2017

O SEXO DOS ANJOS


   MUDAR DE casa é uma roleta-russa. Sei disso. Mudei agora. Na primeira noite, havia farra no apartamento ao lado. Tolerei: tapei os ouvidos com material apropriado e consegui as minhas dez horas de sono, sem as quais sou um figurante da série “The Walking Dead”. E mordo também. 
   Na noite seguinte, quando entrei no leito, a farra recomeçava. Meditei. Sem sucesso. 
   Na escuridão do quarto, com os olhos fixos no teto, afinei os ouvidos e tentei escutar. Risos. Gritos. Gemidos. Objetos no chão. 
   Bati na parede – uma, duas, três vezes. Nada. Levantei-me, caminhei até a porta do vizinho e, quando me preparava para arrombá-la, escutei uma frase que me paralisou: 
   - Vai, Messi!
   Duas hipóteses: Leonel Messi era meu vizinho e eu não sabia; ou, então, Messi já fazia parte das fantasias privadas do casal. Encostei os ouvidos à porta e tentei resolver o mistério. Não havia mistério. Os meus vizinhos jogavam PlayStation. 
   Regressei à cama com a tristeza do mundo sobre os ombros. Deitei-me na cama. Risos. Gritos. Gemidos. Objetos no chão. Adormeci de cansaço. 
   A manhã chegou. Alguém abria a porta do lado. Abri a minha. O vizinho, ensonado e tísico, cumprimentou-me com o vigor de um condenado. Apresentei-me. Ele apresentou-se: estudante universitário. Aproveitei o momento para comunicar as minhas dores: o barulho a horas impróprias, sobretudo para quem precisava trabalhar cedo. 
   Ele corou como uma criança e prometeu “se controlar”. A culpa era do vício, dos jogos, dos amigos, até das amigas ( o horror, o horror!). Riu, envergonhado. Ri, derrotado. Disse-lhe um “prazer em conhecer, meu filho” e depois me fechei em casa com uma pergunta angustiada: que se passa com a mocidade?
   A ciência ajuda: um estudo publicado no “Archives of Sexual Behaviour” defende, após extensivo levantamento, que os jovens adultos americanos (os “millennials” e os “ iGen”, ou seja, nascidos nas décadas de 1980 e 1990) não têm grande interesse por sexo. 
   O caso agrava-se quando comparamos as novas gerações com os seus pais, nascidos nas décadas de 1960 e 1970. Os pais, pelos padrões atuais, eram simplesmente uns devassos. Pior: 15% dos jovens entre os 20 e 24 anos poderiam perfeitamente legar as partes íntimas à ciência e arriscar uma carreira no canto lírico. 
   Antigamente, todo mundo ria com a frase clássica: “No sex please, we’re “British”. Hoje, todo mundo é britânico. Millôr Fernandes, um sábio, escreveu que o melhor afrodisíaco era a abstinência prolongada. Eis um dos raros casos em que Millôr foi otimista – e falhou.
   O melhor afrodisíaco é a abstinência forçada. Se o sexo só começou em 1963, como escreveu o poeta Philip Larkin, isso explica o entusiasmo do pessoal dos “sixties” e dos “seventies” pelas flores e pelas abelhas. Houve excessos. Mas não excessos comparáveis ao enfartamento de um etíope depois de abusar da maminha (a carne, não a dita). 
   Ah, que saudades do meu avô quando ele recordou a primeira vez que viu os joelhos de sua mulher. “Os joelhos”, dizia ele, com lágrimas de saudade e gratidão. Depois de casar, vieram dez filhos. 
   Hoje, o Ocidente está em crise demográfica. As razões são conhecidas: dos métodos contraceptivos à precariedade laboral, que adia a maternidade ( e a paternidade) para depois dos 40, não há reposição geracional. 
   Mas eu sempre desconfiei que a causa era mais profunda; o Ocidente deixou de fazer filhos porque o sexo foi vencido pelo tédio. Antes da revolução sexual, os avós sonhavam com os joelhos. Depois da revolução, os pais atiraram-se às carnes (as ditas, não as do rodízio). Quando os filhos chegaram, o sexo tornou-se tão onipresente – no cinema, na TV, na internet – que o mistério e o tesão se perderam pelo caminho. 
   Pelo contrário: a população continua vigorosa no mundo mulçumano. O próprio presidente Erdogan, para se vingar da Europa (e da Holanda), aconselhou os imigrantes turcos a fazerem, pelo menos, cinco filhos por família. Coisa fácil para quem cultiva ainda o segredo dos joelhos e das maminhas 
   A minha proposta para salvar a civilização ocidental?
   O uso do véu e burca entre quatro paredes. Para que os jovens celibatários abandonem o PlayStation e procurem novamente outro tipo de jogos e botões. (Fonte: Crônica escrita por JOÃO PEREIRA COUTINHO, página C6, coluna JOÃO PEREIRA COUTINHO, caderno ILUSTRADA, terça-feira, 21 de março de 2017, publicação do jornal FOLHA DE S. PAULO).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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