domingo, 26 de março de 2017

O HUMOR DO JECA NO CINEMA


   Mazzaropi encarnou o caipira com uma voltagem irreverente de crítica e sem o mau gosto do ‘sertanejo de agora

   Eu era criança quando conheci o Jeca Tatu. Primeiro através dos livros de Monteiro Lobato, depois no cinema já que meus pais, como todos os de sua geração, gostavam dos filmes de Mazzaropi. Essa semana, tendo em vista que ele faria 105 anos no próximo dia 2 de abril, li notícias relativas às homenagens que vão acontecer em Taubaté (SP), onde há um museu com seu acervo e uma grande movimentação turística em torno de seu nome. 
Do Jeca do cinema guardo o olhar melancólico, o jeitão caipira de andar descalço ou, no máximo, com botinas desajeitadas. As calças curtas e o chapéu de palha compunham o resto do figurino, além de fazer parte do “tipo” o bigode e o cigarro de palha, ostentado num tempo em que fumar no cinema não era politicamente incorreto. 
   O personagem interpretado por Mazzaropi fazia crítica aos coronéis donos de terras: ele era o trabalhador rural que se insurgia contra o abuso dos patrões. A crítica era feita de forma bem-humorada, de modo que atraía o público que gostava de se divertir com a perspicácia caipira. 
   Em tempo ingênuos tudo isso fazia mais sentido, mas Mazzaropi atravessou gerações e seus filmes – que ainda hoje podem ser vistos especialmente na TV Brasil – atraem um público cativo, na verdade, sua exibição no canal de TV só perde para atrações como o Campeonato Brasileiro, segundo dados de 2016 divulgados pela emissora. 
   Mazzaropi começo no circo, daí a verve cômica que sempre o acompanhou passou pelo rádio e, inevitavelmente, foi parar no cinema, tendo em vista a movimentação artística nos anos 40/50 em grandes companhias como a Ver Cruz que produziu filmes no Brasil entre 1949 e 1954 em São Bernardo do Campo (SP), fundada pelo produtor italiano Franco Zampari e o industrial Francisco Matarazzo. Mas não deixa de ser um traço de ousadia de Mazzaropi ter criado seu próprio estúdio: a produtora Amácio Mazzaropi (PAM Filmes), em 1958. 
   As películas tinham nomes engraçados como “A Bandas das Velhas Virgens” no qual ele é um caipira que tem o nome de Gostoso; “Meu Japão Brasileiro” , aproveitando a influência da comunidade nipônica nas lavouras nacionais e o imperdível “Jecão, um fofoqueiro do Céu”, no qual Jecão Espinheiro se envolve com problemas de dinheiro e tira a sorte grande, ao todo, sua cinebiografia tem 30 filmes. Irreverente e engraçado, Mazzaropi soube como ninguém explorar sua personagem bem brasileiro: o caboclo, mas sempre atravessando os enredos com um tom crítico que necessariamente não fazia parte da cultura naquele período de vedetes no teatro de revista e grande influência da indústria americana sobre nossos artistas. 
   O Jeca fica na memória como a encarnação do brasileiro simples, porém, muito esperto ao denunciar a exploração através de uma simpatia legítima em vez do mau humor que caracteriza a arte engajada. 
   Nos filmes ele fazia de tudo, inclusive cantava, e sua voz ressoou com melancolia na canção “Tristeza do Jeca”, dos inesquecíveis Tonico e Tinoco, numa representação poética da cultura rural ainda não contaminada pelo mau gosto da atualidade quando duplas sertanejas repetem temas ostensivos dando preferência a carrões e bebedeiras nas letras que passam longe da singeleza do campo no Brasil dos rodeios e da indústria cultural de encomenda, sem crítica e sem raízes. Dá até vontade de sair gritando: “acorda peão!” (Crônica da jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI celia.musilli@gmail.com páginas 2 e 3, caderno FOLHA 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 25 e 26 de março de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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