sexta-feira, 24 de março de 2017

NO MEU TEMPO...


   NAS PRIMEIRAS vezes, achamos que era uma provocação. Mas, como o ritual se repetia a cada noite, aos pouco fomos percebendo era mais um hábito compulsivo e inocente. Em meados, nos anos 1980, éramos um grupo de onze pessoas viajando por Bali – a maioria delas, pela primeira vez. Um dos nossos companheiros já havia estado lá e, justamente por isso, toda a vez que, depois de explorarmos um canto da ilha durante o dia (cada um tinha a liberdade de ir onde quisesse), aos nos reunirmos para jantar e contar nossas experiências, ouvíamos desse amigo variações do comentário: “Ah, esse templo é incrível, mas quando eu fui lá cinco anos atrás...”.
   Percebeu a “cutucada”? Nosso colega fazia isso sem perceber, como um reflexo, para pontuar que já havia passado por Bali “antes da invasão dos bárbaros”... É uma situação comum quando se juntam vários viajantes para trocar histórias – eu mesmo acho que já caí nessa tentação várias vezes.
   Lembrei-me desse momento balinês nesta semana, quando estive em Trancoso, na Bahia, depois de 30 anos da primeira vez. 
   Visitei esse paraíso mesmo antes de ir a Bali. Era ainda universitário, mochileiro – e, no início da década de 1980, fiquei, claro, encantado com a simplicidade de um vilarejo formado em torno de um campinho de futebol ( o “quadrado” e uma igreja. Com uma praia deslumbrante emoldurando tudo...
   Pousadas, como a gente conhece hoje, nem existiam. Ficávamos em quartos alugados por uns trocados, na casa dos moradores do próprio quadrado, e a comida era mais informal que um PF. A maior sofisticação que a gente podia ter era a natureza estupenda a nossa volta.
   Três décadas depois, de passagem pela mesma região durante uma reportagem, tive a sorte de ser convidado para assistir ao “Música em Trancoso”, festival que já está na sexta edição. O evento traz uma programação maravilhosa (principalmente de música clássica) para a cidade e já faz parte do calendário cultural da “terra do axé”.
   Antes de mais nada, fiquei extasiado com o local dos concertos a céu aberto. O Teatro L’Occitane é uma inesperada e belíssima estrutura de concreto rasgando a paisagem. Chegar ali com a luz do fim da tarde já é um evento. E quando a música começa...
   Inevitavelmente, uma vez que estava lá, passeei também pelo quadrado da minha memória – hoje cercado de butiques com shorts bordados a preços que , “no meu tempo”, daria pra comprar uma casinha ali. E restaurantes com pratos esbarrando nos R$ 100, quantia que talvez alimentaria uma família por um par de semanas então. 
   Tudo mudou, sem dúvida. Mas terá mudado para melhor? Ao ver o meu “quadrado” transformado em um shopping de luxo – e até a igrejinha usada como tela para projeções de arte -, minha primeira reação foi desconfiança, Como diria meu amigo em Bali, “quando eu conheci isso aqui...”
   Porém, foi essa mesma vivência que me permitiu aproveitar Trancoso sem cair nessa armadilha pedante. Assim como nós que não conhecíamos Bali ficávamos deslumbrados com o que víamos naquela primeira vez, esta Trancoso de hoje, tão mudada, é ainda um presente para seus sentidos. 
   Sim, pode ser que aquela simplicidade que conheci seja coisa do passado. Mas tudo muda nesse mundo. Como os detalhes do templo balineses, a essência da “vida no quadrado” ainda está nesse canto da Bahia. E agora ainda adornado por uma música divina. 
   Só mais uma prova de que, quando a gente viaja, é melhor não levar a nostalgia na bagagem... (Crônica escrita por ZECA CAMARGO, página D12, caderno turismo, coluna ZECA CAMARGO, quinta-feira, 23 de março de 2017, publicação do jornal FOLHA DE S.PAULO).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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