domingo, 5 de março de 2017

O BRASIL LONGE DA ESTANTE


   Enquanto livrarias e editoras fecham as portas, o consumo de produtos caros e de gosto duvidoso cresce a olhos vistos

   As livrarias cresceram comigo. Quando criança, numa cidade do interior, elas não passavam de cantos cheios de livros nas papelarias onde comprávamos material escolar. Lá, entre cadernos e lápis coloridos, havia aquele nicho mágico onde eu via toda a coleção de Monteiro Lobato – da qual li alguns livros – e outros títulos que faziam parte da iniciação à leitura, como os de Machado de Assis. Eram poucos volumes numa época em que tínhamos pequenas bibliotecas, mas o prazer de ler era grande, sem os apelos do mundo eletrônico que nem sequer existiam e com a sorte de haver pessoas em casa que davam grande valor à leitura. Tive a sorte de ter um pai assim. 
   Quando cresci, as livrarias também cresceram. Ganharam autonomia como estabelecimento onde eu entrava com o coração aos pulos, estimulada por uma irmã que adorava poesia e com quem aprendi a gostar do gênero. Lendo Rimbaud minha vida ganhou a dimensão de uma metrópole. 
   Bem mais tarde, nas grandes cidades, passei a frequentar as megastores, rede de livros e outros produtos associados à literatura. Até por isso, fiquei triste, na semana que passou, ao saber que a rede francesa Fnac especula fechar suas portas no Brasil. Ao todo, seriam doze lojas, o que significa menos empregos, menos livros e menos espaços culturais. 
   Meu assombro se soma à notícia do fechamento da editora Cosac Naify em 2016. Um grande editora que, no fim das contas, colocou seu estoque no Amazon com descontos de até 50% e doou parte do acervo a instituições culturais. Tudo isso depois de ter anunciado que os livros poderiam ser picotados – porque é este o destino dos livros “sem utilidade” quando as editoras fecham e não tem mais onde guardar seus estoques. 
   Pensando no sumiço das pequenas e grandes livrarias. No fechamento das pequenas e grandes editoras, chego à uma conclusão que não chega a ser novidade: o Brasil não lê. E aquilo que sei reconhecer pelo feeling se transforma em números concretos quando recorro à pesquisa Retratos do Livro no Brasil, de 2016, e fico sabendo que 44% dos brasileiros não leem e 30% nunca compraram um livro. Segundo a pesquisa, é considerado leitor quem leu inteiro, ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses. Mas há quem não seu sequer um livro em doze meses e há quem nunca entrou numa livraria. 
   O que me assombra é que a alegação de que o livro custa caro não se ajusta à realidade dos mais pobres, nem dos mais ricos, quando se pensa nos sebos onde um bom livro custa menos que uma cerveja – já arrematei exemplares por R$ 10, 5 e 2 – e, mesmo nas livrarias, o preço de um livro novo nem se compara ao de uma calça Diesel, um celular de luxo ou camisas com cavalinhos. 
   O fato é que nos recusamos a encarar a realidade de uma cultura nivelada por baixo, na qual percebemos um empobrecimento geral em tudo aquilo que indica evolução. 
   Enquanto as livrarias e os livros andam em baixa, há um cardápio musical que fere os ouvidos, com letras empobrecidas e ritmos repetitivos vendendo aos borbotões. Um banho de funk, sertanejo e axé que repete fórmulas comerciais consumidas por uma população que acaba de encerrar um carnaval no qual um dos hits mais tocados tem como título: “Meu Pau Te Ama”. E aqui não se trata de preconceito ou moralismo, mas tristeza mesmo pela constatação de que as exigências em matéria de qualidade estão reduzidas a pó. 
   Ao colocar um tema como este em debate, não faltam desculpas em relação ao fenômeno de empobrecimento da massa crítica. “Livro caro” é o principal deles, argumento que desaba diante da possibilidade de se frequentar sebos ou bibliotecas públicas onde ninguém paga para ter leitura. 
   O fato é que a lei do consumismo passa por outros parâmetros num país em que as livrarias fecham as portas, enquanto multiplicam-se igrejas e rodeios, reflexos do Brasil iletrado, no qual, no máximo, se lê autoajuda, best sellers como “50 Tons de Cinza” ou a Bíblia, o livro mais lido do mundo – e não há crítica aqui, apenas constatação. Um país no qual letras pobres como a do funk “Meu Pau Te Ama” ou do sertanejo “Ai, Se Eu Te Pego” são emblemáticas como representação da cultura de cada dia que rende milhões, enquanto a verdadeira poesia mofa nas estantes como um “luxo” desconhecido. (Crônica da escritora e jornalista CÉLIA MUSILLI, celiamusilli@gmail.com páginas 2 e 3, caderno FOLHA 2, 4 e 5 de março de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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