quarta-feira, 30 de novembro de 2016

OS JOVENS E SEU LUGAR NO CAMPO

"Pretendo fazer um curso técnico especializado e ajudar minha família. Lá temos estrutura para evoluir", diz  Luís Fernando dos Santos Marques com a certeza de que no campo está seu futuro

   Visando a sucessão familiar. Programa Jovem Agricultor Aprendiz prepara adolescentes do meio rural para a administração das propriedades

   Levar uma empresa familiar para as gerações futuras de forma eficiente e rentável é um trabalho que exige muita dedicação por parte dos pais e, claro, dos filhos. No campo, essa realidade também é latente e no caso da agricultura familiar, bem desafiadora. Aquele pedaço de terra – mesmo pequeno – gera renda e tem impacto nos números do agronegócio nacional e da produção de alimentos. De fato, a sucessão familiar no meio rural precisa ser discutida. 
   De acordo com números compilados pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), referentes ao Censo 2010, são 210,5 mil jovens em áreas rurais, em 311 municípios do Estado. Do total, 84% são responsáveis pela produção ou são trabalhadores familiares que residem no campo. Outros são assalariados, mesclando a vida na propriedade com um emprego na cidade. 
   O Paraná busca atualmente debater o tema de forma mais objetiva. Neste mês, por exemplo, foi realizado o Seminário Sucessão Familiar Rural, promovido pela Secretaria Estadual da Agricultura e Abastecimento (Seab), Emater e Assessoria Especial de Juventude (AEJ). O evento é resultado dos estudos realizados sobre a evasão de jovens no meio rural pelo grupo de trabalho criado pelo governo do Paraná, por meio do Decreto 1182, publicado em Abril de 2015.
   Enquanto as políticas públicas não ganham a eficiência necessária para manter estes jovens no campo, alguns projetos mostram resultados bem importantes. Um deles, sem dúvida, é o Programa Jovem Agricultor Aprendiz (JAA), criado em 2005 pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-PR). 
   Atualmente, são 170  turmas com adolescentes de 14 a 18 anos distribuídas por todo o Estado, com 80 instrutores/professores cadastrados. Com uma carga horária de 144 horas, eles aprendem no contraturno escolar conteúdos que vão prepará-los para a vida na propriedade, desde temas como meio ambiente, cidadania e sucessão familiar, até assuntos específicos, como pecuária, plantio, colheita e até diagnóstico da propriedade. Depois, para aqueles jovens que desejarem, existe um novo módulo, agora mais aprofundado, com temas como bovinocultura leiteira, mecanização, fruticultura, olericultura, piscicultura, entre outros. 
   A coordenadora e idealizadora do JAA, Regiane Hornung, relata que o grande desafio foi criar um programa direcionado a esse jovem da zona rural, que muitas vezes busca evadir do campo devido a falta de informação sobre as próprias atividades que ele está inserido. “O resultado é uma maior conscientização do jovem sobre o que é o campo. Eles deixam de se sentir filhos de produtores e passam a se olhar como produtores. 
   Muitos têm a falsa ideia que deixando o campo e vindo para Curitiba, terão uma vida melhor”. 
   São diversos depoimentos, alguns que estão inclusive nesta edição da FOLHA RURAL, que mostram a transformação da mentalidade após o JAA. “Eles se sentem preparados, muitos se tornam agrônomos, veterinários e zootecnistas para ajudar os pais. Não temos um estudo estatístico dessas transformações, mas são muitos casos, inclusive dos instrutores criando vínculos fortes com eles”.
   Para o futuro, um dos desafios, segundo Regiane, está na capacitação dos instrutores para que eles levem um conteúdo programático mais atrativo aos alunos. “Lidar com os jovens está cada vez mais complicado. Muitos estão sem motivação para o futuro. Não adianta levar conteúdos sem trabalhar o lado humano da pessoa e da família”, complementa. 

   SEM ABANDONAR AS ORIGENS 
Motivado pelo curso, Alan Cecílio de Paula quer fazer o  caminho contrário ao dos pais que deixaram a zona rural em busca de mais renda na cidade
   Tamarana é uma cidade que boa parte da população ainda tem um vínculo forte com a agricultura familiar. E é neste cenário, no Colégio Estadual Professora Maria Cintra de Alcântara, que aproximadamente 30 alunos tiveram contato pela primeira vez este ano com curso do JAA e começam a enxergar um futuro melhor, sem abandonar suas origens. 
   O professor de química e física do colégio e também agricultor no distrito de Lerroville, Rogério Rodrigues foi quem teve a ideia de levar o programa até a cidade. Segundo ele, a maioria dos alunos reside na zona rural e, ao saber que o curso trabalhava a gestão da propriedade, resolveu fomentar as atividades no contraturno escolar. “Tivemos inclusive uma lista de espera dos alunos querendo participar”, explica. 
   Segundo ele, boa parte dos alunos percebeu que a propriedade pode ser rentável no futuro, onde é possível tirar um salário digno e continuar na propriedade, com qualidade de vida. “Tivemos inclusive uma aluna que fez o curso, prestou vestibular em agronomia, passou, e quer continuar os estudos nas ciências agrárias. Muitos pais, inclusive, demonstram a importância desse trabalho para os filhos”. 
   Uma das pedagogas da escola, Inês Moretão da Cunha, relata que a metodologia utilizada pelo Senar, associando teoria e prática, atraiu os alunos para o trabalho. “Muitos já têm usado as técnicas agrícolas no dia a dia e influenciado a família”. Já a pedagoga Michele Ramires comenta a importância do JAA, num momentos em que os agricultores se sentem desincentivados a continuar na lida do campo. “Essas famílias fazem parte do agronegócio e precisam de motivação”, relata. 
   Alan Cecílio de Paula. De 16 anos, viu seus pais deixarem a zona rural por terem encontrado empregos de melhor rentabilidade na cidade. O pai se tornou motorista e a mãe costureira. “Agora, depois do JAA, eles me dão todo apoio para que eu retorne ao campo. Durante o curso, aprendi sobre o trabalho de zootecnista e é esta carreira que pretendo seguir, quem sabe.”
   Já Luuís Fernando dos Santos Marques, também de 16 anos, mora com a mãe, o padrasto e dois irmãos numa área de 23 hectares , voltadas para a produção de milho e soja. Ele diz que o curso foi uma oportunidade muito grande de adquirir conhecimento e melhorar a propriedade onde residem. “Lá em casa, temos muitos problemas de erosão e durante o curso vimos muitas maneiras de acabar com isso. Também aprendi sobre o tratamento de sementes , o qual não tinha conhecimento nenhum”. 
   Agora, quando olha para o futuro, Luís tem plena certeza que pretende continuar na propriedade. “Tinha essa dúvida, mas agora não tenho mais. Pretendo fazer um curso técnico especializado a ajudar minha família. Lá temos estrutura para evoluir. Temos terra e água em abundância, inclusive podemos implementar novas tecnologias e diversificar a cultura, deixar de plantar apenas soja e quem sabe apostar nas hortaliças. Vi que o curso do JAA mudou a cabeça de muitos que estavam em minha volta”. (V.L). 

   ‘QUERO LEVAR O QUE APRENDI PARA NOSSA PROPRIEDADE’
Estimulado pelo Jovem Agricultor  Aprendiz, Lukas Reghin está cursando agronomia na UEL, envolvido em outros projetos da universidade visando à profissionalização da propriedade da família
   De Congonhinhas para curso de agronomia na Universidade Estadual de Londrina (UEL). O impacto do Programa Jovem Agricultor Aprendiz (JAA) na vida de Lukas Dal Santos Reghin é bem claro. Hoje, com a “cabeça bem mais aberta”, ele busca ampliar seus conhecimentos, para no futuro retornar à propriedade dos pais e tios e, quem sabe, dar um “boom” técnico e de rentabilidade na área, hoje focada em fruticultura, alho e cebola. 
   O rapaz de 19 anos relata que seus pais sempre o deixaram escolher o caminho do estudo ou ficar na propriedade. Em 2014, quando cursava a terceira série do Ensino Médio em Congonhinhas, teve contato com o JAA e resolveu fazer junto com os amigos e um primo. “Fiz o curso de 144 horas e depois me dediquei ao módulo de olericultura. Foi quase um ano de curso que abriu completamente minha visão. Decidi o que buscaria para meu futuro”. 
   Com os conhecimentos adquiridos, começou a utilizá-los na propriedade. Aprendeu por exemplo, a fazer armadilhas para a mosca branca da fruta, praga que estava atacando as ameixas na área. “Aprendi a fazer um melaço dentro da garrafa pet que servia como isca para o inseto. Foi um manejo trabalhoso, mas que ajudou a cortar gastos, Com outros conhecimentos, percebi que meu pai, apesar de toda bagagem como produtor, estava dando murro em ponta de faca em algumas situações”.
    Ainda em 2014, Lukas tentou ingressar na universidade, mas não passou. No ano seguinte fez cursinho em Londrina e acabou passando nas universidades estaduais de Londrina, Maringá e do Norte do Paraná (UEL, UEM e Uenp), em Bandeirantes. “Escolhi a UEL e já querendo mais. Tentei o processo seletivo da empresa júnior do curso, chamada Consoagro, que presta consultoria em olericultura, adubação e correção de solos, viveiros e estufas, CAR, controle de pragas e doenças e coloca os alunos desde o primeiro ano para as atividades práticas. Hoje faço parte do jurídico financeiro da empresa”, relata ele. 
   Para o futuro, o jovem produtor diz que vai levar os seus conhecimentos adquiridos para a propriedade da família, para ajudar o “pai a crescer” e divulgar os produtos colhidos de forma mais profissionalizada. “Plantamos, colhemos, mas hoje não damos o acabamento final ao produto como deve ser. Metade da nossa produção ainda passa pela mão de atravessadores, o que nos faz perder dinheiro. Quero extinguir esse formato de comercialização, esse é o meu pensamento”, conclui. (V.L.)

QUANDO O 'QUINTAL DE CASA' SE TORNA UMA EMPRESA
   Existem diversos fatores estudados que podem fomentar os jovens a sair do meio rural. A professora sênior da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), Marly Teresinha Pereira, é especialista em agricultura familiar e aponta, em entrevista à FOLHA, alguns cenários que esse nicho de população tem enfrentado.
   O primeiro citado por ela, é o fechamento de boa parte das escolas da zona rural, principalmente no estado de São Paulo. Outro ponto é que no momento da sucessão familiar, após a morte dos pais, a terra acaba sendo dividida entre os filhos que, com uma área menor, possuem dificuldade de gerar uma boa renda para a sobrevivência. "Muitos pais ainda incentivam os filhos a procurar uma nova área de atuação longe da propriedade.
   A professora Marly relata ainda que existem algumas políticas públicas para fomentar a permanência do jovem no campo, como o Pronaf  Jovem, mas que acabam "não saindo papel". "Precisamos divulgar esse tipo de ação além, claro, de ter uma assistência técnica  e extensão rural eficientes para atendê-los.
   Lidiane Barbosa Braga é instrutora do Senar-PR e há oito anos ministra aulas no JAA em cidades do Norte Pioneiro. Ela relata que muitas vezes os pais, que fazem uma "agricultura atrasada" , incentivam os filhos a deixar a propriedade. "No decorrer do curso eles entendem  que o agronegócio é importante para o Brasil , conhecem outras alternativas, informações e acabam se encantando".
   Com visitas técnicas frequentes e conteúdos direcionados em sala de aula, segundo a engenheira agrônoma, é que os alunos percebem a importância da gestão da propriedade e enxergam-na como uma empresa rural. "Quem está no Ensino Fundamental acaba pensando em estudar no colégio agrícola.  E quem está no Ensino Médio, quer ir para a Faculdade", complementa. (V,L.) 
(VICTOR LOPES – REPORTAGEM LOCAL, páginas 4, 5 e 6, caderno FOLHA RURAL, 26 e 27 de novembro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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