domingo, 6 de novembro de 2016

NUNCA FUI, SEMPRE ESCREVI



   AH, PERCORRER a Rússia Transiberiana! Uma viagem inesquecível... Não é uma jornada fácil: dias e dias no trem. Tampouco é um trajeto confortável – “modestas” sendo um adjetivo generoso para as acomodações. 
   Mas, quando seus olhos são testemunhas de tamanha beleza , quando você olha pela janela e vê os lagos prístinos , o céu de matizes inimagináveis, o fino gelo que recobre os galhos que resistem ao vento frio e o vilarejo no horizonte, quase pequeno demais para acreditar que é verdade, é impossível não resistir: eu tenho que abrir meu notebook e escrever sobre isso para quem sonha um dia visitar esse lugar tão extraordinário. 
   Não fosse um pequeno detalhe: eu não estou no vagão de trem algum, olhando paisagem nenhuma, transportado para uma cultura distante e sedutora. Estou sentado no meu escritório, onde acabei de ler um livro divertidíssimo para qualquer viajante: “How to Talk About Places You’ve Never Been”, de Pierre Bayard – em português, algo como “Como Falar de Lugares a que Você Nunca Foi”. 
   Ainda sem tradução no Brasil, eu suplico que você que tem um mínimo interesse em sair pelo mundo arrisque mesmo um inglês enferrujado nesta leitura. Com exemplos que vão de Marco Polo – o “monstro sagrado” dos relatos de viagem – ao infame Jayson Blair – o “jornalista do ‘New York Times’ que, no começo do século 21, abalou a credibilidade do jornal com suas reportagens pelos EUA escritas sem ele sair de casa” -, Bayard nos leva por um passeio hilário (mas com profundas reflexões) por autores que provavelmente inventaram relatos de viagens pelo mundo.
   Seriam esses registros menos válidos do que a do atento repórter de turismo que anota tudo para construir um retrato fidedigno de um destino insólito? Pierre Bayard defende que não: essas são narrativas que valem serem escritas, mesmo que absolutamente imaginadas. 
   Com seu tom irônico (e brilhante), não tenhamos a certeza de que ele defende seriamente essa ideia, mas o exercício de pensar em passeios fictícios é delicioso: para quem lê e também para quem escreve. 
   Ao compor as primeiras linhas desta coluna, não precisei que mais que dois minutos da internet olhando imagens “verdadeiras” (suponho) da Transiberiana. Mas pode conferir cada um dos meus 13 passaportes: em nenhum deles você vai encontrar sequer um carimbo da Rússia, que até hoje não visitei. 
   E foi divertido!
   Talvez tão divertido quanto foi para Marco Polo, que, apesar de ter “desbravado” a China , em seus relatos, parece nunca ter ido além de Constantinopla. 
   Má fé de um tempo (quando falamos de Marco Polo, nos referimos ao início do século 14) em que as informações não podiam ser checadas? Mas o “caso Blair, do “New York Times” é deste século. E o enorme acesso a imagens e vídeos virtuais só facilita o trabalho de quem quer blefar nas suas escalas. 
   Bayard, na sua defesa, não exclui a beleza da prosa – minha inspiração para “escrever” sobre a Transiberiana vem do seu capitulo onde analisa a mesma viagem num poema do sensacional suíço (naturalizado francês) Blaise Cendrars. Teria ele mesmo partido daquela estação de Moscou ou apenas viajado na sua imaginação? Será que isso importa mesmo se as palavras nos transportam?
   Não obstante, sem ainda nenhum talento para uma ficção original, renovo com você o pacto de continuar escrevendo neste espaço apenas sobre povos e países que de fato visitei. Dito isto, sigo agora para Atlântida: um lugar que sempre sonhei em conhecer. 
   Aguarde relatos de lá. (Crônica de ZECA CAMARGO, página D10, caderno TURISMO, quinta-feira, 3 de novembro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE S.PAULO).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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