terça-feira, 19 de julho de 2016

PERDER-SE


   VOCÊ ACREDITA em destino? Sei, parece uma pergunta estranha. Principalmente num mundo como o nosso, cozido na crença e no projeto de domínio de tudo pelo indivíduo que escolhe as coisas com a força de quem traz o Visa entre os dedos. 
   Outro dia, conversando com amigos, perguntei quem acreditava em destino. Apenas aquela que já viveu mais, respondeu “sim”. As demais, mais jovens, responderam “não”. Pareceu-me que ali pesava a maior sabedoria daquela que viveu mais ( e trata-se de uma mulher muito bem sucedida, para que nenhum desavisado pense que era uma “coitada”) . 
   Sim, sou um falso contemporâneo: duvido da capacidade humana de controlar sua vida. Cada vez mais. Sendo eu um contemporâneo, minha suspeita de que exista destino deve ser alguma forma de patologia cognitiva. Prefiro minha patologia ao invés do delírio dos meus contemporâneos. 
   Nesse sentido, ponho sob suspeita a máxima do mundo burguês moderno: sou dono do meu destino, basta que eu calcule, seja competente e monte estratégias. Nos meus piores momentos, suspeito que essa crença seja mais um dos males da caixa de Pandora, que Zeus deu a ela para nos castigar contra nosso conhecimento do fogo (símbolo da técnica) e seus delírios de poder. 
   Lembremos que o pior do males naquela caixa era a esperança. Ter esperança é um engano, porque não há esperanças, pensa o grego antigo. Entendo que a crença na liberdade individual contra o destino seja um pouco como a esperança de Pandora: mais um engano, entre tantos outros, que nos faz acreditar em nossa infinita capacidade de dominar as coisas. 
   De onde viria essa certeza de que somos livres e de que não existe um destino “traçado” sobre nossas cabeças?
   Quando olhamos para o mundo antigo, é comum encontrarmos a crença nalguma forma de destino. Esse destino seria traçado por forças divinas. No mundo grego, o famoso oráculo de Delfos, dedicado ao deus Apolo, aquele conhecido por dizer “Conhece-te a ti mesmo”, citado por Sócrates, tinha um “complemento”, que era: “Saibas que tu és mortal”.
   Estava aí o destino: p homem é sempre menos do que um deus porque ele é mortal e, por isso mesmo, tem como destino a perda de si mesmo, Entendo que a perda de si mesmo vá além da ideia concreta da morte. A perda de si mesmo se dá de diversas formas. Enquanto escrevo para você, me perco, me traio. 
   O engano contemporâneo com relação a inexistência do destino estaria não apenas no fato que continuamos mortais, mas também no fato que continuamos a perder a nós mesmos das mais variadas formas: viver é perder-se (nas paixões, nos desejos, nos fracassos, nos sucessos, nas guerras), e se você tenta evitar isso, você se perde mais rápido ainda e de forma definitiva e miserável. É aí que se encontra minha suspeita, além da mortalidade da qual fala Delfos, de que exista algo como um destino invadindo nossas vidas. Mas, sendo a modernidade uma “teenager” encantada com seu sucesso, acabamos por interpretar os palhaços da liberdade.
   Pensando a partir de um materialismo social, a ideia do destino parecia mais comum quando os homens e as mulheres tinham poucas opções na vida, fosse por conta de pouca técnica, pouca longevidade, pouca liberdade individual, pouco conhecimento, pouca democracia, poucos shoppings centers. Este último principalmente: A fé na liberdade moderna é um misto de fé na técnica (o fogo de Prometeu) e no poder do Mastercard.
   Por isso, a fé na liberdade individual me parece fruto do avanço da sociedade de mercado e suas ferramentas de sucesso, descritas acima. Se você quiser ver essa liberdade caminhando por aí, vá ao Iguatemi. A riqueza fez de nós descrentes no destino, porque pensamos poder “comprá-lo”. 
   Não duvido dessa premissa: mais dinheiro, mais técnica, mais sensação de liberdade. Mas suspeito que esta crença seja parte da esperança de Pandora. No fundo da caixa de Pandora tinha mais um mal escondido: a crença na liberdade do consumidor como liberdade contra o destino. O destino moderno é enganar-se como próprio poder de controlar das coisas. ( LUIZ FELIPE PONDÉ, ponde.@uol.com.br @-ponde fls 6 ILUSTRADA, espaço coluna Luiz Felipe Pondé, segunda-feira, 18 de julho de 2106, publicação do jornal FOLHA DE S. PAULO).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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