segunda-feira, 18 de julho de 2016

O TEMPO DAS FALASINFLAMADAS


   Se você postar na rede social uma receita de bolo, logo aparece alguém discordando da quantidade de manteiga ou acusando a farinha de ser sempre do mesmo saco. Pelo viés da teoria de Descartes ou pela opinião dos convidados do Jô, não falta quem alinhe argumentos sobre isso e aquilo. Poucos percebem o limite entre ser crítico e ser chato. 
   O fato é as redes ajudam a construir um mundo de “certezas”, todo mundo é dono da verdade, e ai daquele que ponderar sobre possibilidades, abstraindo o pensamento daquilo que julgamos mais importante por ser racional, segundo a nossa ótica. Até brincadeiras podem ser mal compreendidas e virar assunto sério. 
   Nem sempre dois mais dois são quatro, a não ser para quem vê o mundo do seu quadradinho, mas a elegância de debater sem ofender é uma arte pouco difundida hoje. Minha impressão – só impressão – é que abrimos a caixa de Pandora nacional e todos os vícios escaparam de uma vez, grudaram na pele dos meus compatriotas e só com muito custo vamos recuperar o humor. Isso não teria importância se ficasse só no campo da política, que é o campo inflamado no momento, provocando uma dor de cotovelo enorme em quem saiu e uma negligência arriscada em quem “se acha” no comando. Mas a discussão vai além. 
   É preciso contar com as variáveis, com o sim e o não. Colocar a dúvida como balizadora das verdades completas, fechadas nas caixinhas das certezas. É preciso não olhar só para a direita, nem só para a esquerda, sobretudo é preciso brincar. Só voa quem tem a capacidade de abstrair o pensamento e isso vale para tudo: da arte à ciência, da ciência à política. 
   Nas relações pessoais não é diferente. Coloque um pouco de abstração na sua vida, arranje um jeito de não se fixar no senso comum e a corda da criatividade será ampliada com ideias novas, sem os vícios partidários, dos times, dos amigos ou da família. Compreender as diferenças é mais produtivo do que se agarrar a ideias como musgo, velho, viscoso, apegados a paredes ideológicas e sem espaço para renovação. O que se fecha não respira. E no momento o Brasil está fechado em compartimentos, um furo nas paredes das iras seria um processo de cura, algo como fazer vazar um furúnculo. 
   Por tudo isso, deixei de discutir apaixonadamente. No momento me resguardo um pouco da rinha, na esperança de vislumbrar um horizonte sem galos de briga. Mas como disse, ainda que se publique uma receita de bolo aparecerá alguém para discordar da quantidade de manteiga, dizer que não é assim que se faz e que existe uma receita melhor. Nada contra as oposições, desde que sejam um exercício de pensamento e não de antipatias. 
   Neste processo político do Brasil, perdi alguns amigos por causa das opiniões. Alguns eram da esquerda, outros da direita, perderam-se de mim porque não sabem andar pelas bordas, precisam enfiar o pé no fundo das certezas, exigem isso dos outros, e eu acho que nenhum fosso compensa o mergulho de cabeça. No vale dos crocodilos da política busco apenas a travessia. 
   Não levo comigo nenhuma certeza, abstraio meu pensamento para apreciar a arte do equilibrismo, não proponho garantias, não caminho sobre o fio do arame com rede de proteção, nem cintos de segurança apontando caminho para os outros. Prefiro a arte da abstração, a arte de quem se equilibra brincando, sabendo que há erros por toda parte e que eu mesma posso pisar em falso e cair da torre de minhas opiniões sinceras. Arriscar-se é ouvir o outro, protagonizar o equilibrista que caminha contando com um pouco de conhecimento e um pouco de sorte. Quando trocamos a surpresa pela certeza perdemos, no mínimo, a beleza de ser livre das amarras visíveis e invisíveis. ( Crônica da jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI, página 4, caderno FOLHA 2, espaço coluna CÉLIA MUSILLI, celiamusilli@gmail.com , domingo, 17 de Julho de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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