segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O MAPA DA FOME



A pobreza tem olhos de piedade e a fama piegas de repetir o bordo da necessidade.
Os olhos da pobreza me seguem nas ruas, estão nos terminais de ônibus, nas praças abandonadas, nos salões vazios das igrejas onde puxam terços imaginários pedindo “o pão nosso de cada dia.” 
A pobreza tem olhos de piedade e a fama piegas de repetir o bordão da necessidade, que a gente de barriga cheia despreza por tédio, cansaço ou põe em xeque “todos têm pernas e braços para trabalhar”. Às vezes a pobreza não tem membros, nem mesmo se constitui um sujeito, é parte da massa falida, amorfa como o papel amassado em sonos na rodoviária, debaixo das marquises dos prédios, quando não é impedida por grades que sinalizam : “Não aceitamos mendigos, desvalidos, crianças sem pai, nem filhos da mãe”. 
Um dia me mostraram uma pesquisa soabre a erradicação da miséria no Brasil, disseram que era um feito milagroso de um governo mais milagroso ainda, desses para quem Padre Cícero pediria a bênção e o NST acolheria sob a lona preta com festa. 
Para minha decepção descobri que depois que os dados tinham sido manipulados: não se contava a comida na mesma dos domicílios mas, sobretudo, a da merenda escolar e perguntei indignada: “Mas, então, criança pobre não sente fome nos fins de semana?” Recolhi minha dúvida à caixinha de contradições do país que tem reservas de ouro e de prata, petróleo em poços sem fundo, florestas gigantes, madeira abundante, potencial macroeconômico e olhos de fome que me aguardam nos semáforos, limpam meu para-brisa, cobiçam minha pose blasé de classe média envergonhada que conhece os olhos de fome mas não os encara. Uma moeda aqui, uma cédula de dois reais ali e a consciência aplacada dos bons cristãos que me fazem companhia no gesto da caridade limitada. Porque ilimitadas são a fome e as associações que ligam dutos a contas bancárias e a campanhas políticas 
Mas os olhos da fome me espreitam. Só se desolam de mim quando perdem-se na bola, fixam-se vítreos nas pipas que ganham o céu como um sonho que chega à altura. Os meninos são todos iguais quando brincam e quando sonham. O que os diferencia é o que come e onde dormem. Há alguns que anseiam por batatas fritas, outros que matam por um sorvete, alguns que espiam vitrines com aquele olho comprido e tão mal recebido nos shoppings. Olhar e vigiar são atribuições da sociedade. Enquanto o pobre admira, o rico o evita, enquanto o pobre deseja, as câmeras o registram, enquanto as classes abastadas constroem muros, as baixas aprendem a escalá-los. É sempre uma guerra de nervos, uma competição de camadas, uma luta visível entre quem monta a grana e quem cavalga a espada. 
Há quem se aproprie da pobreza como material de campanha. Em época de eleições gritam assim: “os pobres são nossos”. E os outros não dizem nada porque também nunca os adotariam. Há quem tenha nojo de pobre e há quem deles se apropria. Sempre tive dúidas sobre quem seriam os piores. 
Neste domingo, enquanto vamos comemorar a semana de trabalho em mesa farta, milhares de moleques aguardam a segunda-feira, dia em que as pesquisas fazem sentido com arroz e feijão carne e salada no prato. O resto são números que nunca encheram a barriga, só o discurso dos bem alimentados. Deus salve os olhos da fome que nos espreitam porque nós falhamos. ( celiamusilli@terra.com.br, página 4, FOLHA 2, espaço CÉLIA MUSILLI, domingo, 20 de setembro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).- fOTO - MARCO  JACOBSEN)

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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