domingo, 5 de abril de 2015

A EXPOSIÇÃO DOS MISTÉRIOS


                                                         Com Hilda Hilst, posso ver a morte me carregando para a vida
                                                         neste domingo de Páscoa

   Há pessoas para quem a vida é um tema profundo, elas se expressam  deste modo, indo além da superfície. Elas nunca correm como riacho, movimentam-se como se estivessem no leito de um rio ou no fundo do mar.
   Foi essa a impressão que me causou a “ Ocupação Hilda Hilst” que está no Itaú Cultural, em São Paulo. O ambiente nos leva de volta à casa de HH, à convivência com os amigos, à correspondência com jornalistas e outros poetas, mostra como se dava seu processo criativo: para escrever textos de teatro e poemas ela fazia também desenhos. Há uma série engraçada dedicada à sua personagem mais controvertida: Lory Lamby, a menininha que escrevia textos pornográficos. Sua velha máquina de escrever está em exposição, uma testemunha física  dos rios de literatura de correram por ali, assim como galeria de fotos que mostram momentos importantes da vida daquela que é uma das grandes poetas do país, de escrita sofisticada que nos leva a reflexões a cada linha.
   Na exposição, a sensação de intimidade aumenta com as gravações que estão por toda a parte, são muitas falas de Hilda, de voz grave e cativante, como uma boa contadora de histórias. Mas o que mais me impressionou foi  um vídeo  exibido em tela triplica, de modo que todos os expectadores possam ver tudo , não importa onde se sentem. Este vídeo  me prendeu como um ímã, não tenho explicação para o fato de tê-lo assistido quatro vezes, mas continuaria ali como se entrasse numa nave do tempo , voltando à Casa do Sol, onde viveu Hilda Hilst, em Campinas , para deixar a marca de tudo que  importava a ela em vida, e tratando a morte como uma parceira, como nos poemas do livro “Da Morte, Odes Mínimas”, do qual tenho um exemplar da Editora Globo, que fez parte da coleção organizada por Alcir Pécora. Os poemas deste livro sempre me atingiram pelo grau de cumplicidade que HH estabelece com aquilo de que temos mais medo. Ela diz “Uns barcos bordados /No último vestido/Para que venham comigo/As confissões, o riso/ Quietude e Paixão/De meus amigos// Porque guardei palavra numa grande arca/E as levarei comigo.”
   É muito grande e verdadeira essa grande “arca de palavras” de Hilda Hilst. No vídeo que assisti  ela declara que a vida é complexa – como não? – afirmando que viver é tão incompreensível quanto necessário. Nas imagens fica claro que ela amava a vida, nas cenas com amigos, em reuniões na Casa do Sol em qualquer tempo, ali onde a “arca de palavras” encontrou abrigo respirando como um organismo entre as  paredes.
   Estão lá o ambiente de trabalho da poeta,  seus livros, os móveis pesados e talvez herdados da família tradicional , as partes externas e a janela de um casarão que talvez fique na mesma propriedade, não tenho certeza, só sei que seu abandono me provocou uma enorme melancolia. Talvez seja essa melancolia que tenha me feito assistir ao vídeo  quatro vezes, como se me abandonasse também ao tempo, ficando ali sem tempo nenhum, absorta nas imagens. As cenas são delicadas, especialmente a de um sino de vento  que toca melodia que parece vir de algum mestre oriental como um lamento, mas a imagem do Cristo sacrificado no colo de sua mãe, logo atrás deste pequeno sino, abriu-me também o significado da Páscoa, onde tudo renasce.
   Ir à exposição foi ver Hilda renascida em seu ambiente doméstico, acariciando um pássaro preto na gaiola com os gestos de quem compreende profundamente a natureza das coisas, o vento está muito presente, faz parte dos diálogos, como uma música que permeia eternamente as experiências da autora. O vento que a levou é o mesmo que a traz no início do vídeo quando, logo depois do jardim, HH aparece para falar do incompreensível par quem vive em riachos. Para compreendê-la  é preciso mergulhar em rios e falar com as folhas.
   Ela diz que é lícito provocar as pessoas com perguntas que talvez mudem para sempre  suas vidas e faz isso o tempo inteiro, até que o vídeos é cortado como uma morte súbita. Foi assim que terminou meu périplo com Hild LHA DE LONDERINA, domingo, 5 de abril de 2015) a Hilst nesta exposição, com mistérios me carregando da morte para a vida neste domingo de Páscoa, HH me ensinou muitas coisas ao abrir a sua “arca de palavras”. ( Texto escrito por CÉLIA MUSILLI,  celiamusilli@terra.com.br  extraído do espaço CÉLIA MUSILLI, caderno  FOLHA 2, página 4, publicação do jornal  FOLHA DE LONDRINA, domingo, 5 de abril de 2015)

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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