quarta-feira, 28 de outubro de 2015

EDUCADOR LEVA A "PEDAGOGIA DO ABRAÇO" À CRACOLÂNDIA

   


    O ex-frade Fernando de Gois. Ativista social dos mais respeitados, prova a vida nas ruas de São Paulo. É escrevinhador da Praça do Patriarca, ativista no Brás, um profeta na Luz.

   “Agora sou um maloqueiro”, brinca o educador Fernando de Góis, 57 anos, sobre sua nova condição. Desde fevereiro, ele mora numa “maloca” – termo usado pela população de rua para definir um grupo que vive numa determinada quadra, uma espécie de condomínio sem teto munido de marquise. A turma do Fernando é formada por 80 miseráveis e se abriga perto de um estacionamento na Rua São Bento, Praça do Patriarca, Centro Velho de São Paulo. Seu banheiro – a estação de metrô que dá nome à via. Comparado a outros, é lugar bom, limpo e seguro. Não sai barato.
   Para garantir pouso na maloca de São Bento, Góis teve de ganhar a confiança do dono da circunscrição, morador de um prédio abandonado, sujeito dado a  distribuir catiripapos nos aventureiros que se assanham no território alheio.  “Tive medo. Quando cheguei, encontrei gente machucada mulheres chorando”, admite o criador da Chácara dos Meninos de 4 Pinheiros, ativista social dos mais respeitados, sobre as regras de convivência em seu novo endereço, o relento. Não faltou quem tentasse convencê-lo a sossegar a ideia. Em vão.
   Góis nutre atração pela rua desde os tempos de frade carmelita, na década de 1980, quando largou o convento para viver numa favela da Vila Lindoia, em Curitiba.  Pencas de religiosos à época fizeram o mesmo,  inspirados pela Teologia da Libertação. A intenção de Fernando, contudo, era radicalizar. Sua opção pelos pobres incluía dormir no sereno – chegou a flertar com a Praça Rui Barbosa. O plano durou até ser tragado pelo projeto da Chácara de Mandirituba, na região Metropolitana de Curitiba, a partir de 1992. Foram 22 anos de serviço prestados, tempo em que acolheu 800 crianças e adolescentes vítimas do abandono, da violência e do abuso. Não tinha quarto. Não tinha folga. Difícil quem entenda, mas a rua, agora, é seu sabático.

   TÍQUETES

   Nas imediações da Sé, não esconde a que veio – está ali para provar na carne o que o povo da rua sente. É experiência mística, à moda de Charles de Foucauld, o mendicante irmãozinho de Jesus, mas também ação política. Já bateu na porta do Ministério Público de São Paulo para tratar da truculência de alguns agentes públicos. E das filas que duram quatro horas. Sua fala diverte: acha as filas grandes  o bastante para consumir um dia inteiro, entre tíquetes para pegar toalha, tíquetes para banho, tíquetes para um prato de comida. A burocracia é tamanha que desistiu de dormir em albergues: calculou que gastaria o mesmo tempo para atravessar o Mar Vermelho e o deserto do Sinai. Outros moradores devem achar o mesmo – e permanecem onde estão.

   AFETO COMO ESTRATÉGIA

   Em quase nove meses de rua, Góis se tornou uma notícia fresca para a pá de movimentos sociais e igrejas que atendem os deserdados do Centro paulistano, algo como mil pessoas. “Descer” até a Cracolândia não estava nos planos. Ao chegar à Sé, dois moradores de rua, Luís Ricardo e  Franciso – o acolheram na Rua Boa Vista, por uma semana, com uma condição: que se alistasse como voluntário no projeto Restaura-me, da congregação dos missionários xaverianos, no bairro do Brás. Gostou do que encontrou e passou a desenvolver ali a “Pedagogia dos Sonhos”, dinâmica criada para os meninos de 4 pinheiros. Vai a pé, duas, três vezes por semana, e ali constrói um ninho, à revelia da decisão de que não iria se vincular a um único movimento. Quem sabe em visita ao bairro da Luz, onde grassa o crack, encontrasse um ponto de fuga. Foi sozinho. Desabou. Agora, parte dos dias da semana é passada na Cracolândia, onde Fernando de Góis se fez aprendiz. Sua única estratégia é sorrir, abraçar e beijar as pessoas – é o que se pode fazer.
   Logo no primeiro abraço que deu ouviu um solene não. Deu o abraço mesmo assim, a contragosto do freguês. A cena se repete com outros moradores da região, beneficiados pelos abraços de Góis. “Na Cracolândia, até os cachorros são tristes”, diz, sobre o local que desafia as lógicas.

   Registros

   Histórias irão para livro


O inquilinato na maloca tem lhe servido de escola. Diz: “Você sabe que os moradores de rua só falam a verdade depois da meia-noite?”  Ouviu isso de uma freira, acatou. Quando a cidade esvazia e não há mais razão de encenar dramas, para conseguir comidas e favores, os sem teto se dão a conhecer. Gostam de contar suas histórias – Fernando registrou até agora 30 delas, que pretende publicar num livro. Chega a formar uma fila, não para pegar a toalha,  mas para se sentar ao lado do escrevinhador e lhe dizer o passado. Cansa. As sessões costumam varar a madrugada, “mas enquanto tiver forças, vou continuar ouvindo.  Ouvir é o que tenho de fazer”, resume o cidadão que depois da “Pedagogia dos Sonhos”, desenvolve a “Pedagogia dos Ouvidos” e a “Pedagogia dos abraços”. ( JOSÉ CARLOS FERNANDES/GAZETA DO POVO, página 10, geral, PERFIL, terça-feira 27 de outubro de 2015, publicação do JORNAL DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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