domingo, 26 de agosto de 2018

A TEMPESTADE


   Um temporal, como há muito não se via, põe a prova a maior árvore do Bosque 

  A madrugada de quinta-feira (22) foi de tempestade em Londrina. No centro, um ribombar de trovões me acordou como se o mundo estivesse acabando. No Bosque, a velha peroba, que tem a altura dos prédios, reagiu aos ventos balançando os galhos mais altos. O tronco, forte como sua memória, permaneceu firme. Nada tira o sossego da árvore que se avizinha da minha janela como os edifícios em volta. 
   Sempre que chove observo a peroba, sei que as grandes árvores atraem raios, mas nunca vi um que a ameaçasse. Ela deve estar ali há mais de cem anos. Essas velhas gigantes guardam tanta história vegetal e humana que são um registro do passado que chegou ao presente e deve alcançar o futuro , deixando todos nós para trás. 
   Essa árvore já passou por muitas tempestades, desde quando era um broto num território de perobas e recebia as águas barrentas que a fertilizaram. Além das chuvas, já acolheu gerações de pássaros e insetos, ofereceu seu tronco como guia para as formigas e para os olhos de quem quer olhar o céu através de um caminho enfolhado, que nunca perde o rumo. 
   A sombra do Bosque, nos anos 1940. Serviu a muitos casais. Meus pais namoravam ali quando seu Antonio – um relojoeiro que chegou à cidade ao fim da década de 30 – quis mostrar Londrina à minha mãe e escolheu passear no Bosque. Minha mãe gostou de tudo e só se assustou com os lagartos que eram comuns por aqui e um dia, trancada em casa até a hora de meu pai voltar do trabalho, disse que tinha visto “um jacaré no quintal”. A confusão nos fez rir por décadas. 
   De todas as memórias da peroba, uma das mais insistentes deve ser a das tempestades, que ela percebe mais próxima que as outras árvores. Na última quinta, no meio da chuva, seus galhos rangiam como um eterno balanço de crianças Imaginei seu diálogo com as árvores pequenas; “Fique firme aí”. Seu porte de rainha resplandecia aos raios, as trovoadas espantavam as pombas, geralmente assustados com rojões, que viram um espetáculo tão grandioso de fogos de artifício fora de hora, sem nenhuma festa. 
   A tempestade continuou madrugada a dentro, enquanto eu tirava o carregador do celular, a toma da TV e de outros aparelhos domésticos. Só não pude desligar o gato, que se transformou numa pilha, comemorando o temporal. Grafite adorou a tempestade, ia correndo para a janela para ver os raios, deslumbrado com uma luz tão natural quanto assustadora, um holofote para plateias perplexas que se movimentavam dentro dos apartamentos. O gato espiava tudo pela vidraça, enfiando o focinho nas frestas da cortina, como se assistisse às Olimpíadas. Tentei em vão deixá-lo fora do “estádio”. 
   Quando a tempestade acalmou, as pombas voltaram às árvores acomodando-se entre os galhos e a chuva. Aves são impermeáveis, usam capas invisíveis que a gente nem nota e só tem medo de barulho, sejam rojões ou trovões. 
   Em casa, enquanto Grafite assistia ao temporal, a gata Tattoo acomodou-se dentro de um armário e só deu sinal de vida quando amanheceu e um ar mais limpo entrou pela janela, como a primeira lufada do dia. Há gatos que procuram abrigo, como Tattoo, e gatos ‘kamikaze’ omo o Grafite, que adorou estar no meio do barulho, no sexto andar de um prédio , com o olhar atento de um piloto de guerra. 
   Assisti a tudo e respeitei a tempestade. Estivesse no mar, o medo seria dobrado. Já estive em temporais dentro de barcos e o que vi é tão assustador quanto um texto de Shakespeare. Da janela de um prédio não chego a relaxar observando raios, nem ouvindo trovões, mas pelo menos meu edifício não balança. Só recebe a chuva, enquanto a natureza dá seu recado. 
   Ao contrário dos gatos e das pombas, não dou moleza a tempestades. Só ligo de novo os aparelhos elétricos quando o dia amanhece com a cara de quem tomou banho no grande chuveiro que marca a entrada e a saída das estações. E que venha mais uma primavera. (FONTE: Crônica escrita pela jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmail.com página 2, caderno FOLHA 2, 25 e 26 de agosto de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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