domingo, 19 de agosto de 2018

A DESPEDIDA DO CRONISTA


   Pelo Bem do sossego, tenho me dedicado muito mais à arte e à cultura do que à política 
   É preciso gostar muito de literatura e jornalismo para bater o recorde de escritores consagrados como Machado de Assis, Rubem Braga e Fernando Sabino. Carlos Heitor Cony conseguiu essa proeza com suas crônicas ao longo da vida. O escritor, que faleceu em Janeiro de 2018, aos 91 anos, soma-se à galeria das grandes perdas para o jornalismo em 2018, quando também nos despedimos de Alberto Dines.
A proeza de Cony, que bateu recordes em número de crônicas – foram milhares - enfocada por Ruy Castro, que conviveu com ele em algumas relações, no livro “Quase Antologia”, que acaba de ser lançado pela editora Três Estrelas. No livro, ficamos sabendo que Cony escrevia até três crônicas por semana no Correio da Manhã, nos anos 1960, quando também já escrevia para a Folha de S. Paulo. Depois ele ainda passaria pela revista Manchete, onde trabalhou por décadas, e se superou trabalhando até quase seu último dia de vida. Se a apresentação de Cony já impressiona, a reunião de crônicas dessa “Quase Antologia” é um passeio pelas expectativas, desilusões e projetos de um grande autor. 
   Ele fala tanto de política quanto de amenidades, dissolvendo a fronteira com a qual os cronistas sempre se deparam: onde termina a crônica? Onde começa o artigo? Na verdade, as coisas se misturam, dependendo do ímpeto e do interesse do autor naquele momento. Mas Cony confessa na crônica “Amenidades e Leitores” que quando o país pega fogo é difícil ficar alheio aos fatos. Vivemos essa situação no momento e, assim como os leitores de Cony reclamavam aos canais competentes quando ele se “alienava” da realidade, eu, uma cronista muito menor do que este emblema do jornalismo recebo reclamações quando escrevo ‘cronicamente’ sobre política. Então, ficamos sempre na dúvida sobre falar de barquinho ou das eleições. 
   Para o bem do sossego, tenho me dedicado muito à arte e à cultura do que a política. Mas, vez ou outra, aproveito o espaço para dar opinião sobre o País. Neste caso, tem quem se sinta incomodado e me escreva atirando as pedras que gostaria de acertar em outros palanques. O cronista, por sua assiduidade em dar opiniões, quase sempre vira alvo de rancores ou de amores. 
   Hoje, é como se uma opinião diferente não pudesse ter espaço num Brasil dividido que aposta em certezas, sem considerar as dúvidas. Mas política não é futebol. E os cronistas não estão em campo para levar chutes de zagueiros anônimos que não têm nada a perder. A tecnologia, boa para quase tudo, também permite que as pedradas cheguem mais rápidas pelos smartphones. O cidadão lê um texto jornalístico, fica raivoso e sai atirando pelas redes sociais. Convenhamos que isso é bem menos trabalhoso do que escrever cartas, como no tempo em que Cony começou no jornalismo. As pedradas de hoje são bem mais simultâneas e irresponsáveis. Mas a máxima do respeito ainda é válida em todas as situações de convivência, incluindo a que temos com os leitores. 
   Ser cronista é também aproveitar não só os fatos, mas brechas poéticas do cotidiano, falar de nuvens que ninguém vê porque mal olha para cima, falar de formigas que ninguém vê porque não perde tempo olhando para o chão. 
Feliz de Cony que escreveu sua última crônica abordando o Natal. Em 31 de dezembro de 2017, escreveu: “Este será o primeiro Natal que enfrentaremos pródigos e lúcidos”. Na verdade, era o Natal em que ele desmistificou o mistério com o qual cercou a data ao longo da vida junto aos filhos, que já haviam crescido. A crônica é linda, tem tom de despedida. E Cony, pródigo e lúcido, assim deixou o mundo de forma poética, como desejam todos cronistas. (FONTE: Crônica escrita pela jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmail.com caderno FOLHA 2, página 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 19 e 20 de agosto de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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