domingo, 23 de setembro de 2018

E-MAILS NO LUGAR DAS CARTAS


   Sempre esconjurei mensagens prontas, principalmente essas que nos enviam insistentemente 
   Em tempos de e-mails falar em cartas parece obsoleto. No entanto, as mensagens pessoais sempre serão um estado de espírito, de modo que alguns e-mails extrapolam a funcionalidade e se transformam em cartas que chegam muito mais rápido. Imaginem o que não era escrever para um amigo que morava no Acre sem e-mails. Os correios subiam lentamente as serras, faziam curvas, atravessavam florestas, até chegar ao endereço do destinatário, de mão em mão. E lá se iam dias, se não meses. 
   Penso nas “cartas” que enviei a alguns amigos e que extrapolam as simples mensagens de Natal ou votos de Feliz Aniversário. Para isso, as redes sociais são muito mais eficientes, todos os dias sabemos quem faz aniversário e há uma verdadeira indústria de felicitações de Natal nas plataformas digitais. De minha parte, até para isso sempre preferi mensagens pessoais, com minhas próprias palavras, e uma imagem, de preferência artística, à minha escolha. 
   Sempre esconjurei mensagens prontas, principalmente essas que nos enviam insistentemente, com borboletas de glitter e frases de efeito. Ninguém tem a obrigação de gostar das mesmas coisas, mas um texto que corresponde ao que queremos expressar, feito por nós mesmos, tem o valor de algo muito pessoal que as indústrias de mensagem não suprem. Mas essas também valem para quem acha que não podem criar sozinho uma forma de expressar emoções. Meu conselho, se posso dar, é eu ousem sempre para expressar o que sentem e que querem transmitir. 
   As cartas já fizeram parte da vida das pessoas de modo a criar um arquivo particular. Tenho cartas de meu pai endereçadas à minha mãe quando ele morava em Londrina, nos anos de 1940, e ela no interior de SP, antes de se casarem. 
   No baú de autores consagrados, as cartas sempre funcionaram como parte do seu acervo. Em centros de pesquisa, já tive nas mãos cartas de Hilda Hilst ou Mário Andrade. Indescritível a emoção que esses papeis nos trazem, amarelados, finos como aqueles apropriados a cartas, ou improvisados como papel de carta em folhas de agenda. 
   Dia desses, li artigo sobre as cartas que Clarice Lispector enviou ao diplomata Maury Gurgel Valente, antes do casamento. Ela conta às irmãs que o noivo discutiu com ela porque as cartas eram literárias demais. Ele achava que Clarice se comportava como autora, não como namorada, e isso abalou sua segurança sobre o amor dela por ele. Ela então lhe explica que escreveu com “espontaneidade integral” , ou seja, aquele era mesmo seu jeito de se comunicar. Ela ainda reforça que queria “uma vida-vida”, uma vida em que literatura e relações pessoais não estão dissociadas, tudo isso era ela mesma, inteira. 
   Na carta à irmã, falando do acontecido, Clarice usa ainda uma frase irônica: “desde que estou namorando o Itamarati tenho ficado com gosto especial pelas palavras de gíria, bem vulgares...” Com perspicácia, esse era seu modo de expressar a rebeldia contra o “status quo”. 
   Cartas que vem e vão, hoje em forma de e-mails que podem ter a duração de uma correspondência. Tive uma experiência assim por uns quatro anos. O arquivo se foi no dia que perdi minha conta de e-mail, ela travou sem razão e cansei-me dos administradores americanos me enchendo de perguntas, sem oferecer solução. Às vezes é muito difícil provar que a gente é a gente mesma no mundo digital. 
   Foram-se as “cartas” todas arquivadas na pasta do e-mail. Sempre achei que dariam um livro. Mas agora o livro será sobre a perda das “cartas”. Até mesmo quando elas se vão, os sentimentos ficam porque assim foram escritos. (FONTE: Crônica escrita pela jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI, celia.musill.@gmail.com página 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 23 e 24 de setembro de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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