quinta-feira, 18 de junho de 2015

A TRANSEXUALIDADE NA CRUZ



   Hora de acender um holofote sobre os preconceitos e refletir sobre a luz da razão. Diante das críticas ferozes à atriz Viviany Beleboni, transexual que encenou uma crucificação na Parada Gay em São Paulo, cabe esclarecer que não se trata de ofensa, mas de uma metáfora da violência. Com sua performance,  ela quis dizer que gays, transexuais e travestis são crucificados cotidianamente e não são os únicos. Como explicar o estupro coletivo de quatro  adolescentes no Piauí, recentemente? Elas foram agredidas, violentadas, atiradas de um penhasco, e não contentes, os estupradores ainda as apedrejaram. Uma não resistiu aos ferimentos e faleceu na última semana, então pergunto: isso não é uma crucificação? Não é um sinal doloroso da violência do  nosso tempo contra mulheres, gays e qualquer pessoa vulnerável? Diante de fatos tão graves, onde estão os aproveitadores religiosos? Não disseram uma palavra. Preocupam-se com uma performance que usa um símbolo cristão, e fazem coro tocados por uma suposta profanação, um beliscão em seu tabu, uma sacudida no seu dogma.
   A crucificação da transexual é uma metáfora da dor e funciona por analogia. Mas sob a ótica do preconceito Viviany  virou um símbolo de blasfêmia, palavra antiga, recuperada em tempos de cegueira.  Estão sobrando igrejas e faltando escolas. Vejamos: a crucificação de Jesus é encenada toda semana santa no Brasil e no mundo; Hollywood produziu centenas de filmes sobre a Paixão de Cristo; Neymar apareceu crucificado numa capa de revista; Bezerra da Silva tem um disco em que aparece na cruz, representando um personagem do morro. Em nenhum desses casos houve reações tão violentas quanto a que crucificou Viviany. Até onde sei, Jesus não fechou com os héteros, acolhia a todos, é dele a frase decisiva: “Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra”, pondo abaixo as construções culturais do moralismo. No meu entendimento, os gays tem o direito de utilizar sua cruz e seu exemplo para falar de sua dor concreta no momento em que lutam por direitos, enquanto continuam sendo humilhados, agredidos e assassinados.
   A censura à performance de Viviany Beloboni e a tentativa de transformá-la numa profanação – que chegou a suscitar debates no Congresso Nacional – é própria da ótica do preconceito sem base ética nem legal. Na última terça-feira, Zé Celso Martinez Corrêa, diretor do Teatro Oficina, livrou-se de um processo promovido por um padre de Goiás, por uma encenação supostamente profana num protesto ocorrido na PUC-SP em 2012, no qual atores interagiram com uma cruz de pedra num pátio. No caso, o juiz concluiu que o ato não constituiu ofensa por uma razão: o uso de uma cruz como objeto de encenação – fora do culto religioso – não é considerado ofensa religiosa. Ou seja, fora de um serviço litúrgico, uma cruz não passa de dois pedaços de madeira cruzados – a expressão é minha , não da lei – e isso serve de base para que se considere batinas, mantos e cruzes como objetos  de arte no contexto do cinema e do teatro. Se a referência religiosa fosse tomada como profanação na criação artística, não poderia haver missas em filmes,  muito menos em forma de comédias.
   Por outro lado, o falso moralismo que hoje toma conta de algumas correntes está mais para caso de polícia do que de teologia. Pródigos em encenações, alguns líderes religiosos que promovem a caça às bruxas, ocupam grandes espaços na mídia para enganar a população com um ilusionismo movido à ganância, para o qual não faltam palcos, cortinas, nem holofotes. Se em vez de tomarmos o teatro como religião, tomarmos a religião como teatro, os espetáculos diários de “bispos” em redes de rádio e TV estão muito mais próximos daquilo que Cristo condenou como ato de “vendilhões do templo”.
   No momento em que correm ações e se pedem medidas jurídicas contra artistas, pergunto onde está a lei para os que se comportam como atores, atuando como estelionatários. Às vezes, assisto a programas de emissoras religiosas e é estarrecedor ver a venda de “carnês da fé” nos crediários das igrejas. O nome é Carnê da Oração Incessante, remetendo à ideia de que “o céu não pode parar” e os “bispos” não imitam o exemplo do Cristo, mas do baú da felicidade cristã.  Não existe nada mais torpe do que tirar dinheiro dos ingênuos e dos pobres em nome de Deus. Vendo o teatro de alguns, considero que mercantilizar em nome de Cristo é uma das maiores ofensas que uma igreja pode impetrar contra aqueles que têm fé. É muito mais violento que os seios à mostra de um travesti pregado num cruz simbólica.
   Se muita gente criticou, também houve manifestações de apoio, isso aponta uma luz no fim do túnel neste momento delicado do Brasil, no qual devemos ficar atentos a que tipo de poder está em jogo e quais as armas usadas pelos que tentam derrubar o Estado laico, deixando-o  à  mercê  dos dogmas.  
   Finalmente, para quem não entendeu ainda que a crucificação na Parada Gay era uma encenação, cabe informar que estão enxergando Jesus onde só existe teatro. Se tomarmos a arte por realidade, pautados por sua incapacidade de fazer a transposição simbólica, não demora muito vão se abaixar nas poltronas do cinema quando houver um tiroteio na tela. Cowboys não matam, senhoras e senhores, e Viviany Beleboni não quis tomar o lugar de Cristo, apenas fez referência à sua dor. ( celiamusilli@terra.com.br, página 2, espaço  CÉLIA MUSILLI, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, domingo, 14 de junho de 2015).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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