domingo, 1 de março de 2015

DOS ARMÁRIOS INESGOTÁVEIS DE MÁRIO

       
  Nos  70 anos da morte de Mário de Andrade, suas realizações ainda dão um banho na cultura de terno e gravata.

   Eu o conheci lendo Macunaíma, ainda na infância, depois viria o filme homônimo de Joaquim Pedro de Andrade com o impagável Grande Otelo interpretando o “herói sem nenhum caráter”. Inesquecível a cena do nascimento dele  e todas as outras homenageando a preguiça, uma célula brasileira do ócio criativo em dimensão cinematográfica.   
   Esta semana,  no dia 25, completaram-se 70 anos da morte do músico, poeta , escritor  e pesquisador paulistano Mário de Andrade ( 1893-1945). Nome reconhecido do Movimento Modernista, ele extrapolou a revolução da linguagem e partiu para uma revolução da cultura nos tempos em que a burocracia imperava como impedimento à criatividade nos órgãos públicos que só tomavam  para si a incumbência de realizar saraus e concertos fechados.
   Em 2013, realizou-se em São Paulo, no Itaú Cultural, uma exposição que reproduzia a ambientação de uma Secretaria da Cultura – cheia de arquivos e gavetas – tomada pela cintilante imaginação de Mário de Andrade, que marcou gestões com uma modernidade de fazer inveja ou servir de modelo a tudo o que veio depois no Brasil, em matéria de combinação de cultura popular e erudita, em pesquisa e produção.
     Foi ele quem criou entre 1935 e 1938 – prestem atenção às datas – uma Biblioteca Circulante que consistia num veículo, criado especialmente pela Ford, para percorrer bairros paulistanos oferecendo livros à população.  Se hoje soa comum levar livros às pessoas  em vez de esperar que elas os procurem, nos anos 30 era inovador e ficam pálidas – ou totalmente vermelhas de vergonha  - as iniciativas dos governos de hoje que mal conseguem manter acervos em condições de conservação  adequadas. Matéria da revista BIBLIO, de 2013, dá conta de inúmeras bibliotecas que foram fechadas ao público em estados como  Rio Grande do Sul, Alagoas e Rio Grande do Norte. Sem conta que, até aquele ano, estados como Tocantins nem sequer contavam com uma  biblioteca.  E estamos no século 21.
   Não contente em divulgar cultura apenas na capital, Mário de Andrade também foi responsável por mapeamento em todo estado, assinalando locais de origem de cultura popular no âmbito da música, dança e outras manifestações. Na exposição, um mapa cravado  de alfinetes dava conta da riqueza que uma iniciativa como essa pode revelar à população dos grandes centros que ignorava a manifestação cultural através de artesanatos, trançados e catiras que hoje estão integradas ao patrimônio e à memória. Os anos 30 ainda eram a década do afrancesamento. Com mocinhas cultas insistindo em martelar Chopin ao piano.  Mário de Andrade proporcionou a São Paulo um choque cultural indígena/caboclo, uma voltagem caipira que influencia a criação até hoje, numa espécie de antropofagia  regional .
   Ele foi o criador da Sociedade de Etnografia e Folclore, enviando pesquisadores ao Nordeste para mapear manifestações culturais, e produziu o anteprojeto do Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional (Sphan) , hoje conhecido como instituto através da sigla Iphan. De quebra,  deixou para São Paulo uma Discoteca Municipal, ainda em funcionamento, e a idéia da criação de parques infantis espalhados pela cidade.
   Tudo isso saiu das gavetas na exposição organizada em 2013, através de textos e fotografias que podiam ser manuseados, além de registros em áudio e imagem. Lembro-me da surpresa de meus filhos ao abrirem as gavetinhas e ouvirem vozes vindas de um tempo  que estaria morto, não fosse o registro de Mário, incansável em sua sina de músico, escritor, poeta e pesquisador que abarcava a cultura com todos os sentidos, com a fome de um intelectual sensorial que contrariava a perspectiva de tratar a cultura de terno e gravata.
   Do seu livro Pauliceia Desvairada (1922), o poma Ode ao Burguês mantém a atualidade. “Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,/ O burguês/burguês! / A digestão bem-feita de São Pulo!/O homem-curva! O homem nádegas!O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,/ é sempre um cauteloso  pouco-a-pouco!”
   O insulto era destinado àqueles que se contrariavam com a modernização estética e social . Soa ainda como  manifesto em tempos de políticas retrógradas e governos almofadinhas que não reconhecem o conhecimento e a cultura como os únicos meios de se processar mudanças sem privilégios e sem assistencialismo.  Fazem parte dessa amostragem governos que encolhem verbas para a educação. Burguês é o pensamento que não levanta as nádegas do gabinete e faz política a canetadas. (Texto escrito por CÉLIA MUSILLI celiamusilli@terra.com.br   extraído da FOLHA 2, página 4, espaço CÉLIA MUSILLI, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA,  domingo, 1 de março de 2015)

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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