domingo, 7 de outubro de 2018

SIGA EM PAZ E QUE HAJA FLORES


   Meu amigo partiu na primavera, quando nem todos os ipês floresceram 
   Ele era magro, tinha aparência frágil, ultimamente estava ficando careca ou com entradas que lembram as curvas e estradas que percorreu na vida. 
   Conheci-o, assim, magro e esperto. Um estudante de Economia na mesma universidade onde fiz Comunicação Social. Sua morada, uma república conhecidíssima em Londrina, era um casarão verde de madeira na rua Tupi, onde havia festas e pessoas cantando. Convivemos muito tempo, moças e rapazes que tinham encontros diários, num tipo de solidariedade que perdemos com o passar dos anos. Os adultos quase sempre se isolam, apagam ou reduzem a chama da amizade até virar um foguinho, que não avistamos mais de longe. 
   Fogueiras que vão se apagando, luzes que se perdem. Até que vem o baque da morte e, abobalhados, deslocados em relação ao que entra pela vida como um golpe, recebemos, mais dia menos dia, a notícia de que o amigo se foi. 
   Na última quinta-feira (3), recebi assim a notícia de que meu amigo Carlos Motta, o Carlinhos, havia partido da forma mais violenta e dolorida: foi assassinado. Os pormenores não cabem aqui, já basta a crônica policial dando conta que ele “tinha uma espécie de salão de beleza” no seu apartamento, no centro de Curitiba, Não era “uma espécie de salão”, era um salão, meu amigo sempre foi trabalhador, se sustentou e viveu com um profissionalismo que se configurava num desenho de perfeição em tudo que fazia. Se havia móveis usados em algum canto, ele os recolhia, lixava e pintava e, dali a um tempo, víamos uma cadeira azul em sua sala, com almofadas combinando. Suas casas sempre tiveram jardins ou plantas pendentes, tinha mãos boas para plantar, amava as flores e, coincidentemente, partiu na primavera. Desta vez, sem tempo de ver toda floração 
   Quando perdi meu pai, em 1989, ele foi o amigo que passou alguns meses lá em casa, me consolando como um irmão que expressava afeto pela minha família que ia aos poucos se desfazendo: mãe e pai, levados pela velhice. Gestos de solidariedade assim a gente nunca esquece, embora nos últimos anos nos tenhamos visto tão pouco, morando em cidades diferentes. Mas soube que ele partiu como veio ao mundo, uma criança eterna que corria riscos no ímpeto de aproveitar a vida. E, mesmo na morte, ele deixa uma exemplo de vitalidade e de pulsão pelo imprevisto que só circunda os muito vivos. 
   Há momentos maiores do que as crônicas policiais que desqualificam os mortos porque testemunhas falam de seu “histórico de homossexualidade”, há momentos maiores que a violência condensada em palavras que presumem que um amigo, sejam quais forem suas escolhas, cavou para si circunstâncias adversas. A morte colhe a todos, não se esqueçam, sejam quais forem as suas escolhas. 
   Diante da perda, prefiro me lembrar do amigo em vida, suas fragilidades e suas camisetas coloridas, seu espírito indomável , sua alegria  em usar tesouras para cortar cabelos, plantar margaridas , transformar espaços humildes em quintais de luz abrindo venezianas onde só havia paredes. Assim me lembro de Carlinhos, signo da primavera que partiu antes do tempo, quando nem todo os ipês floriram diante de seus olhos que se alegravam, como poucos, com o espetáculo da vida. Siga em paz, amigo, e que haja flores. (FONTE: Crônica escrita por CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmail.com página 2, caderno FOLHA 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 6 e 7 de outubro de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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