segunda-feira, 1 de outubro de 2018

NA VENDA DO MEU PAI


   A geada negra de 1875 sentenciou de morte o ouro verde que movia a economia e com ele o modo rural de tocar a vida. Na casa do nono, o café quente que esquentava o peito, já não aquecia os negócios e tampouco despertava o interesse de cultivá-lo. As lavouras haviam se transformado em cemitérios que, a despeito de qualquer otimismo, sepultara para sempre a esperança de uma geração lavrada no cafeeiro.
   Meu pai não cultivava a lavoura. Tirava o sustento da família de uma venda de secos e molhados e da velha máquina de beneficiamento de arroz, herança do avô João Nicolau. Fui criado nesse contexto, em um comércio à beira de uma estrada poeirenta nos dias de sol, e de muita lama em dias de chuva. 
   Premida pelo êxodo rural, a vendinha ficou durante décadas no meio desse caminho: entre a decadência da vida rural e a vida urbana com sua prometida industrialização. E foi nesse contexto que vi a transição política no Brasil, a derrocada da ditadura e o ressurgimento da democracia. 
   A venda era um festivo ponto de encontro, sobretudo nos sábados, quando era servido mocotó e dobradinha. Os que eram da cidade faziam parada ali para reviver a nostalgia dos tempos passados. Os da roça vinham ali comprar os mantimentos necessários, incluindo a cachacinha. É nessa encruzilhada que dois mundos se encontravam: o rural e o urbano; o caipira e o letrado. Sempre tive fascínio pela sabedoria dos dois. E quando o País voltou a falar de política. PMDB e PDS também se encontraram lá. Vez ou outra a temperatura subia além do normal, e o pai me pedia para abrir algumas cervejas geladas. Era cortesia da casa. E a conversa logo voltava ao tom normal. Do lado de dentro do balcão havia uma cadeira e eu ficava em pé sobre ela para ganhar estatura e atenção daquela gente. Acompanhava atentamente as discussões políticas. 
   O pai, para o contexto da época, era tido como homem estudado, e sempre angariava respeito quando tomava a palavra. Gostava muito de ler, em casa, nunca faltaram livros e revistas que semanalmente eram comprados na cidade. A sua maior conquista na época, foi ter feito a assinatura da Folha de Londrina. O problema, no entanto, era o jornal chegar até lá. A saída foi conversar com o distribuidor do jornal. Ficou acertado que seria colocado no Km 5 da rodovia, à margem esquerda, uma lata para que o jornal fosse ali depositado. E assim, por anos, a Folha chegava antes mesmo de o galo cantar. 
   A minha primeira tarefado dia era buscar o jornal. A “lata de notícias”, como era conhecida, trazia todos os dias informações para troca de ideias que afloravam entre uma cerveja e outra. O resultado dos debates políticos que aconteciam na venda foi a candidatura a vereador, no pleito de 1982, de dois moradores do entorno. Um saiu pela situação e o outro pela oposição. Na véspera da eleição só faltou sair tiroteio na porta da venda. 
   Acompanhando o debate político no País, ainda me sinto como se estivesse ao lado do meu pai, observando as discussões e os debates acalorados. Recordo-me de sua posição altiva, clamando pela vivência do espírito democrático. “É preciso que tenhamos mais diálogo, mais respeito e menos violência”. Conselho precioso, sobretudo, para esta eleição. (FONTE: Crônica escrita por CLODOMIRO JOSÉ BANNWART JÚNIOR, leitor da FOLHA, página 2, coluna DEDO DE PROSA, caderno FOLHA RURAL, 29 e 30 de setembro de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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