domingo, 18 de janeiro de 2015

PENSAR É LÍCITO



     Com a morte  dos  chargista da revista francesa Charlie Hebdo, tem gente perguntando ou mesmo afirmando que dentro da ideia de liberdade de expressão irrestrita cabem o bullying, a ofensa pessoal, etc. Não se trata disso. Uma coisa é criticar pessoas com a intenção de ofendê-las, outra é criticar idéias. Uma coisa é chamar Ibrahim ou José de ignorantes  porque seguem determinada religião, outra é por em xeque os dogmas religiosos. A religião não está isenta de críticas, como qualquer outro sistema  de  ideias. O capitalismo, o comunismo, o islamismo, o cristianismo são ideologias passíveis de discussão e crítica, numa sociedade acostumada a pensar para ampliar sua capacidade de abstração.
     Publicações como a Charlie Hebdo não existem para levar a consensos, mas a complicações. São  do tipo que criam confusão para poder pensar. Charlie, que muitos de nós só passamos  a conhecer  por causa deste episódio trágico, é herdeiro de uma tradição cáustica de imprensa que não é nova. Aqui no Brasil, temos pegadas disso desde o Barão de Itararé e tivemos no Pasquim um exemplo vigoroso de um jornalismo que preconizava o politicamente incorreto, incluindo nas suas páginas coisas indigestas para o período em que foram publicadas,  como os  palavrões. A entrevista de Leila Diniz foi um “Deus nos acuda”, no sentido de abrir para a sociedade conservadora uma linguagem considerada  então  vulgar, inadequada, de coisas que não deviam  estar na “sala de visitas”.
     O Charlie é um jornal ateu que reivindica o direito de ser ateu,  coisa que até o século 18 valia a fogueira. Hoje não temos fogueiras no sentido clássico da Inquisição, mas sobram tribunais por toda parte, inclusive nas redes sociais. Neste sentido, publicações que se  utilizam do que é considerado “basfêmia”,  nada mais fazem que mostrar no espelho uma violência que está implícita nas culturas, basta ver o que ocorre na Nigéria no momento em nome da fé. Publicações como Charlie não abrem  discussões para chegar a um consenso com leitores, mas para tratar também da liberdade de expressão não apenas para as coisas “certas”, mas para aquilo que a sociedade é o torto, o avesso, o politicamente incorreto para usar uma expressão da moda. Sou favorável ao livre pensar, como dizia Millôr Fernandes, “é só pensar” este tipo de inquietude  acomete  alguns indivíduos  mais que outros. Gosto da inquietude, ainda que fuja aos padrões de adequação, é assim que o mundo gira e vai ficando menos quadrado, ainda que seja na marra.  O “equilíbrio” pretendido às vezes aparece lá adiante, aos trancos e barrancos, ainda que se pague com a vida como no caso dos chargistas do jornal francês.
     O respeito aos direitos individuais – o direito das pessoas – deve ser garantido sempre. Isso significa, inclusive, a liberdade de cada um pensar e expressar o que quiser em relação a ideologias  que não tem “direitos garantidos”, porque são  um  sistema de idéias , sujeitos  a críticas, das melhores às piores, sem censura, porque isso limitaria o exercício do pensamento, matéria-prima de que são feitas estas mesmas ideologias que não devem ser tratadas como tabus. E lícito discutir qualquer coisa, de política a  religião. O problema é o tabu, a  idéia do intocável. O Charlie e outros jornais na mesma linha não são feitos para que as pessoas concordem ou discordem dele, mas sim para que se garanta o direito de pensar, escrever e promover a diversidade de idéias e só os compra quem quer. Se o conceito de Deus é tão óbvio para alguns e formatado dentro de um parâmetro regular, para outros é vago, insustentável ou inexistente. Para mim, por exemplo, Deus não é uma entidade calcada na  figura de um Pai severo que aplica castigos. Deus é algo assim como uma nuvem, móvel e adaptável a cada cultura: de Tupã a Jeová. Para um ateu, como no caso dos jornalistas do Charlie,  Deus é apenas uma fantasia e como tal pode ser tratado com um humor sem limites. Não vejo mal nisso, piores são os  que se matam por uma idéia preconcebida e que se pretende intocável. Precisamos entender que as pessoas têm idéias  mas não são as idéias . As idéias mudam a todo instante ou de tempos em tempos, a concepção de um mundo antropocêntrico ou teocêntrico está sempre em mutação, até por isso toda abstração é válida. O mundo das idéias é o mundo da abstração. Pensar é lícito, expressar o pensamento também. A gente não pode matar pessoas, mas podemos querer “matar” uma idéia, até com críticas duras. Foi isso que os jornalistas do Charlie tentaram sem disparar nenhum tiro.  (Textro escrito por CÉLIA MUSILLI,
celiamusilli@terra.com.br, extraído da Folha 2, pag 4, publicação da FOLHA DE LONDRINA, domingo, 18 de janeiro de 2015).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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