domingo, 18 de março de 2018

A PROCISSÃO


   Era um sol escaldante. O céu limpinho e sem nenhuma nuvem, no entanto, não era azul. O ar seco piorava com a fumaça das queimadas que alguém, volta e meia, costumava tacar fogo no mato seco. A cidade se entristecia com a falta de chuva, não dava para plantar, não tinha o que colher e, pior, a água também estava escassa. Não a da torneira, que na época não havia, mas a dos poços e rios. 
   Então era hora de ir à luta para que a chuva viesse e transformasse aquela tristeza Alguns homens, mas principalmente muitas mulheres e crianças formaram a procissão para pedir a Deus que mandasse a bendita chuva. A fé, nesse momento, alimentava a esperança. O povo se reunia no largo da Igreja e a procissão era formada com cuidado. As crianças iam à frente, descalças, não para fazer penitência, mas porque sapatos era um luxo que não cabia em seus pés. Na areia quente e grossa iam pulando e aliviando o calor. Minha vó Luiza costumava colocar um lencinho na nossa cabeça, amarrado nas quatro pontas, que servia para proteger um pouco do sol, e nas mãos cada um trazia além de imagens dos santos, de modo especial São José, uma garrafinha de água que seria levada até o Cruzeiro. 
   Assim, tendo o sol quente e a areia mais quente ainda castigando os pés, como cenário, seguia a procissão até o Cruzeiro que ficava lá na baixada do Mané Faria. A gente seguia cantando. Eu confio em Nosso Senhor, com fé, esperança e amor... Com minha Mãe estarei... e Ave Marias, e, é claro, rindo e saindo da ordem da procissão, sempre sob o olhar atento das mães e dos mais velhos. Mesmo que a intenção fosse a oração e a penitência, para nós, crianças, sinceramente, era a maior festa... 
   Lá chegando, mais orações, mais cantos, e a gente jogava no pé do Cruzeiro a água trazida nas garrafinhas. Aproveitávamos para refrescar os pés e até jogávamos um pouco nos outros, com todo respeito. 
   Consolados e esperançosos, empreendíamos a volta para casa. A volta era a única coisa triste da procissão. Não por falta de fé na chuva que viria, mas pelo cansaço, pés queimando, barriga roncando, criança brigando e chorando, puxando as saias das mães e avós e querendo colo. E a criançada voltava como podia, birrentas, meio penduradas, algumas no colo ou nos ombros, arrastadas. 
   Se a chuva chegava logo ou não pouco importava, nem me lembro mais... Mas lembro do aprendizado, da esperança, da luta para vencer as dificuldades da vida que eram tantas, mas aquela gente simples possuía a grande qualidade de partilhar e de se apoiar uns nos outros como uma grande família.
   Hoje, quem vive na cidade, com todo o conforto, nem percebe as penúrias da falta de água. Indiferente, consulta o Serviço de Meteorologia, nem se dá ao trabalho de olhar para o céu. Não se usa mais rezar e pedir que a chuva caia do céu pelas torneiras de Deus, no tempo certo para as plantações ou para as necessidades das pessoas... Mas é só sairmos do asfalto, em tempo de seca, causar um poeirão com nosso carro equipado com ar-condicionado, observar as plantações flageladas, que nosso pensamento reporta a um tempo muito distante, a uma procissão de rostos queridos, fortes e lutadores que, além de nos ensinarem tantas coisas, nos deixaram um legado de sensibilidade, de valorização da natureza, de respeito pela vida e nos ensinaram a acreditar que Alguém, lá em cima, ouve com carinho o clamor daqueles que não têm nada e precisam de tudo, mas ainda sabem caminhar com fé. (FONTE: Crônica escrita por ESTELA MARIA FREDERICO FERREIRA, leitora da FOLHA, caderno FOLHA RURAL, coluna DEDO DE PROSA, página 2, 17 e 18 de março de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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