domingo, 19 de outubro de 2014

BAGAGEM DE MÃO


     Um dia a gente chega à idade de evitar carregar peso. Em viagem de avião então, malona pesada tem de ser despachada, sujeita a extravio e, quando chega ao destino, temos de esperar na esteira. E passa mala, passa mala, a tua não aparece e você vai ficando agoniado. Finge que não  mas, quando vê,  está com a boca azul  de roer caneta. Vai ao sanitário rapidinho, receando que enquanto lava a boca levem tua mala (há tantas iguais!), mas, lá está ela girando na esteira à tua espera.
     Você sorri, para mostrar   descontração, e te olham estranhamente,  você lembra que os dentes ficaram azuis da tinta da caneta. Mas isso passará, o importante no  momento é cuidar da mala, a tua vida empacotada fora de casa.
     Durante décadas suportei as reclamações da coluna, vértebra por vértebra, até me tornar o último ser humano a comprar mala com rodinhas. Mas, saindo do piso lisinho do aeroporto, nas calçadas da vida as rodinhas trepidam, saltitam, rangem, estralam, apanham mais que cachorro em escola de samba.
     Então resolvi levar só bagagem de mão, mochila com pouco peso, portanto portátil, e fui descobrindo truques e artimanhas.
     Levo só duas calças de jeans azul marinho, que “não sujam”. Se uma sujar tanto que a sujeira  apareça, lavo enquanto uso a outra.
     Meias e cuecas  levo três ou quatro no máximo, sempre lavando de noitinha as usadas durante o dia. A não ser que o ar esteja muito  úmido , secam até de manhã e voltam sequinhas para a mochila. Senão, embrulho em plástico e lavo no dia seguinte.
     Camisetas, vão enroladas como lingüiças de pano na  mochila. Uma só camisa social, pra o caso de algum jantar mais formal, enrolada também  ( para usar,  mando passar a ferro, ou passo eu mesmo, usando garrafa com água quente no quarto do hotel, truque que aprendi com camelô na Pensão Alto Paraná.
     Levo sempre tubo de pasta de dente já quase no final, para não levar e trazer de volta nenhum peso desnecessário.
     Detesto a palavra “nécessaire”. Parece meio gayce e meio madamice, deve ser preconceito meu, mas o fato é que nela levo o mínimo possível de coisas: um pente pequeno, uma pinça, fio dental,  escova de dentes. Embrulhada em plástico vai a folha de babosa que esfrego pedaço a pedaço na cabeça como creme para cabelo. Dalva acha que posso ser preso por contrabando vegetal, mas digo que, mesmo que não tivesse a babosa, já estaria viajando com uma flor...
     Uma jaqueta dupla-face va i no corpo, uso num dia sua face de couro fosco,  noutro dia sua face de couro liso, assim Dalva não enjoa de me ver sempre com a mesma roupa.
     Nos pés, os mesmos sapatênis  heróicos que já palmilharam as trilhas de Machu Pichu e as ruelas de Roma. Sandálias ficam em casa, até porque, assim, tenho para quem voltar – com a roupa fididinha de mal lavada, conforme Dalva, mas leve como um passarinho, enquanto ela espera sua mala na esteira.
     Até que me apaixono por um livro de 900 páginas numa livraria, a mochila passa do peso permitido e tem de ser despachada. Será que depois dos 60, terei de comprar  um tablet  para ler e-books?
     E tom o cuidado ao tomar café: se derramar terei de lavar as calças! Já aconteceu, numa viagem que fui só com as calças do corpo, e tive de lavar e gastar uma manhã no hotel esperando secar. Não é fácil a vida de escritor artimanhoso ou, conforme Dalva, teimoso que só.  ( Texto do escritor DOMINGOS PELLEGRIN I, d.pellegrini@sercomtel.com.br, publicado no JORNAL DE LONDRINA, domingo, 19 de Outubro de 2014).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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