O racismo é
tão irmão do razismo que devia ser escrito assim, razismo.
Na Pensão Alto Paraná, que minha mãe
tocava na década de 50, menino eu via aqueles peões negros, fortes que só,
rindo com fileiras de dentes tão brancos, gastando na cidade o dinheiro que
tinham ganhado derrubando mata, e ficava zanzando em volta deles, ouvindo suas
histórias, e isso marcaria para sempre minha literatura.
Minha mãe fazia sabão no quintal da pensão,
com sebo, mamona e soda, em meio tambor sobre tijolos e uma fogueirinha que
eles iam avivando com ripas e paus, acocorados em roda, contando causos, entre
silêncios atentos e estrondosas gargalhadas.
No salão de barbeiro de meu pai, em frente
à pensão, misturavam-se no piso os tufos de cabelos de todas as raças.
Mas eram os negros que derrubavam as matas
para plantar café, trabalho tão duro que exigia muita força e destreza. Quando
algum me passava a mão na cabeça, eu sentia os calos.
Meu pai era um pai para eles, diziam,
decerto porque os tratava como tratava a todos, com o respeito que toda gente merece,
e todos os chamavam de Seo Domingos com o maior respeito. Davam dinheiro para
ele guardar no cofre, temerosos de, depois de umas canas, deixar tudo nas mãos
das mulheres e malandros.
Uma noite um bateu em nossa casa alta da
noite, tão bêbado e barulhento que até eu acordei, querendo que meu pai lhe
desse o dinheiro que ele mesmo tinha falado para não dar de jeito nenhum. Meu
pai deu a metade.
No dia seguinte, o peão estava sem um
tostão, foi envergonhado falar com meu pai para pagar a pensão na próxima vez.
Meu pai mostrou então o dinheiro que tinha guardado, e o peão ficou tão
agradecido que passou dias falando:
- Esse homem é um santo!
Mas ainda não faço milagres, dizia meu
pai, só faço o que é certo.
Certo é que a raça negra é a mais antiga,
conforme apontavam todas as pesquisas antropológicas, baseada em fósseis,
idiomas e ruínas arqueológicas. Mas os razistas diziam que não era
possível raças tão diferentes, como as
chinesas e os nórdicos, descenderem de um só tronco negro africano.
Agora, com o desenvolvimento do DNA nos
genomas, é certo que até os chineses e o
mais branco dos dinamarqueses descendem de negros africanos. As provas são
cientificamente irrefutáveis.
Então, quando Daniel Alves comeu aquela
banana, o sujeito que atrás dele, na arquibancada, fazia gestos imitando
macaco, estava imitando seu próprio
ancestral.
E também tenho um sonho, Martin Luther
King, que em todas as escolas ensinem as crianças que todas
as raças descendem da negra, e são assim tão diferentes porque, se
fôssemos todos iguais, o mundo seria muito chato e talvez nem existissem
bananas.
( Texto do escritor DOMINGOS PELLEGRINI d.pellegrini@sercomtel.com.br publicado no Jornal de Londrina, domingo 1 de junho de 2014 ).
( Texto do escritor DOMINGOS PELLEGRINI d.pellegrini@sercomtel.com.br publicado no Jornal de Londrina, domingo 1 de junho de 2014 ).
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