domingo, 6 de agosto de 2017

UMA DIVA À FLOR DA PELE

 
   Uma flor de lótus de tom café que atende pelo nome de Diva Guimarães. Intensa e forte como a bebida resultante do grão que tantas vezes colheu e abanou nas lavouras do Norte do Paraná, a professora de Educação Física aposentada causou comoção em quem assistiu à intervenção dela sobre racismo durante a mesa com o tema “A pele que habito” realizada dentro da programação da 15ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), na manhã de 28 de julho. 
   Sem qualquer pretensão, Diva escancarou a atualidade do tema tão recorrente na obra do homenageado na Flip, o escritor Lima Barreto, fazendo a ponte entre presente e passado de questões de humanidade nas quais a sociedade não evoluiu.
   Na Flip, Diva recordou o tratamento dispensado pelas freiras missionárias que a levaram da cidade natal de Serra Morena, distrito de Jataizinho, antes de completar cinco anos, única forma que a mãe dela, Rita, vislumbrava para lhe dar acesso à educação. “As freiras contavam que Deus teria feito um rio por onde todos teriam que atravessar. Os primeiros, mais fortes e mais inteligentes, ao passarem por esse rio teriam perdido a cor tornando-se o que hoje são os brancos. Já nós, os negros, seríamos burros e preguiçosos, por isso teríamos atravessado quando restava apenas a lama do rio. Por isso é que apenas as nossas palmas das mãos e dos pés seriam claros”. Tamanho absurdo foi apenas um dos inúmeros episódios que fizeram brotar da lama do preconceito essa flor de lótus tom de café com 77 anos de idade, cravados no dia 3 de agosto, dia em que concedeu a entrevista à Folha. “Tenho uma teoria maluca sobre tudo isso. A agressão física, as chibatadas, depois cicatrizavam. Mas a palavra não cicatriza, ela fica na sua alma e faz você lembrar para o resto da vida”, dispara. “A gente sofre de uma tristeza sem motivo. É um sofrimento daquele momento, dos cinco aos nove anos”, acrescenta.
   Com nove anos de idade, ela retornou da escola das freiras em São Paulo para o Norte do Paraná e o convívio familiar. A família deixou o povoado de Serra Morena para a cidade de Cornélio Procópio, onde Diva estudou até concluir o Magistério. “Sempre fui rebelde e por muitas vezes pensei em desistir, dado o sacrifício que era trabalhar, estudar e ainda ser motivo de gozação na escola porque minha mãe lavava roupa para fora e muitas vezes era dos meus próprios colegas”, conta. Diva atribui à mãe Rita o mérito dela não desistir. "Minha mãe tinha as mãos lindas, mas vivia com a blusa molhada de tanto esfregar a roupa e, quando eu queria desistir, ela me questionava se eu queria ficar como ela. Toda vez que coloca uma muda de roupa na máquina de lavar, lembro do esforço dela em me convencer da importância de estudar”, recorda. 

   ESTREANTE DA FLIP

   Foi em Cornélio Procópio que Diva despertou para o prazer da leitura por intermédio da mãe da socióloga e amiga de uma vida inteira, Maria Alice Pedotti, 69 anos. “A professora Deni (mãe de Maria Alice) e a professor de História e Português, Gilda Poli, fizeram toda a diferença na minha formação. Sendo que Deni, foi a responsável por me incentivar à leitura”. Dona de uma memória impressionante, ela lembra do primeiro título indicado pela mãe da amiga, “Onde o céu começa” e a obra mais relevante deste início de vida literária, “Barro Blanco”, do escritor José Mauro de Vasconcelos, que com Jorge Amado dividem a preferência da leitora Diva. “Gosto muito de história, de perceber o contexto e a denúncia social que os escritores trazem nas entrelinhas”, esclarece. 
   Foi pela iniciativa da amiga Maria Alice, que Diva finalmente conheceu a Flip. “Sempre nutri a vontade de ir ao evento e, neste ano, ela surgiu com tudo acertado para não perdermos outra feira”. 
   Inseparáveis desde os mais tenros anos, ambas mudaram para a capital para prosseguir com os estudos. Diva queria ter cursado História, mas como trabalhava, acabou enveredando para a Educação Física. “Fui atleta da universidade nas modalidades de atletismo e de basquete. E como professora, acho que consegui fazer a diferença para muitos alunos pobres, brancos e negros”, atesta. O vigor físico foi moldado pelo trabalho na roça e carregando barril de água ainda no Norte do Paraná. “Queria ter minhas coisas e ganhava 200 contos de reis por barril de água trazido do Poção de Cornélio, poço aberto pelos funcionários da Rede Ferroviária, na qual meu pai era funcionário. No início, levava um barril de18 litros na cabeça, até que pedi para meu pai fazer uma vara, onde carregava um de cada lado do corpo”, relata Diva.

   AVESSA À DOMINAÇÃO 

   Rebelde com causa e atenta a toda forma de relação na qual um ser humano se sente no direito de subjugar o outro, Diva optou por não casar. “Amadureci muito cedo e sempre fui muito observadora. Tenho horror a palavra “bem”, porque ouvi por anos e anos uma vizinha ser espancada pelo marido e suplicar para o ”bem” parar, explica. Diva avalia que mesmo em situações menos grave, há uma série de abusos por conta do machismo. “Vi amigas que deixaram de jogar basquete ao se relacionar com um homem, porque ele se sentia no direito de proibir. E tantas outras que precisaram suportar, aguentar o homem aprontar, por abrirem mão da independência financeira. Falo para minhas sobrinhas, ser mulher de alguém não é emprego”, ressalta. 
   Sobre a maternidade, Diva também abomina a cobrança em torno da mulher. “Nenhuma mulher é obrigada a engravidar. No meu caso, a decisão de não ter filhos teve por motivação eu acreditar que não iria suportar ver meu filho enfrentar todo o preconceito pelo qual passe.” (FONTE MAGALÉA MAZIOTTI – Reportagem Local, caderno FOLHA 2, 5 e 6 de agosto de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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