domingo, 31 de agosto de 2014

VIDA FLEXÍVEL


     Presto atenção aos homens simples. Eles podem ser vistos em bares e  lanchonetes inseridos num cotidiano sem expectativas, a não ser o cumprimento de pequenas obrigações diárias. Outro dia os vi em lados opostos de um balcão negociando a compra e venda de balas, guardanapos e canudinhos de plástico. Estavam sorridentes, em nada lembravam a circunspecção dos gerentes de banco, dos executivos apressados, dos engravatados que não têm tempo para descontração quando   tratam de negócios, coisa que só é possível à gente desapegada.
     Enquanto dois negociavam, um que me pareceu ser o porteiro do edifício comercial da mesma galeria, aproximou-se como um curioso, conferiu a mercadoria, trocou algumas palavras e foi embora como se tivesse cumprido uma rotina informal de trabalho.
     A vida desses homens não me parece relacionada a decisões dramáticas. Basta saberem  se vão vender ou comprar dois quilos de balas, se os candidatos descartáveis são feitos de material mais ou menos flexível, como suas próprias vidas adaptadas a todas as circunstâncias. Entram e saem sorridentes das dezenas de bares enfileirados na mesma rua, não competem, antes se ajudam carregando pacotes pesados e negociam como personagens de histórias perdidas lembrando-me a trajetória de meu avô italiano, que foi um grande comerciante numa cidade pequena do Estado de São Paulo.  Num tempo em que as lojas não eram especializadas, ele vendia de tecido à material de construção num armazém que minha mãe descrevia como uma atração pata a população rural e urbana. Pelos relatos dela, parece que a existência corria plena, o negócio prosperou sem ataques de depressão e achaques de concorrência.
     Penso que há muitas formas de se ganhar a vida, umas demandam anos de estudo, como a que escolhi e da qual não me arrependo, mas me flagro às vezes pensando que seria bem mais fácil  vender doces, lingerie  ou instrumentos musicais. Fosse assim, talvez eu não tivesse uma ruga cada vez mais visível entre as sobrancelhas, meus olhos estariam menos cansados, um sorriso  fácil, como o que vi no rosto dos comerciantes, dançaria em minha boca por nada. Ou apenas porque alguém veio me vender balas de menta que refrescam o dia, além do hálito.
     Às vezes me ressinto de não ter  escolhido uma profissão que me inserisse no cotidiano quando o sol nasce para me recolher à noitinha sem trabalho por terminar, porque, ao contrário dos textos, vejo que as balas são acondicionadas em balcões  uma única vez e ao necessitam de revisão nem complementos.
     Jornalistas vivem de cabeça cheia, têm pesadelos com títulos com erro de grafia, são assombrados por furos e notícias fora de hora, acordados em sobressaltos quando algum incêndio acontece e a gente não pode chegar ao local depois que acabou, sob a pena de ter que criar no sufoco uma legenda do tipo “onde há fumaça há fogo”.
     Mas pensando bem, talvez eu sentisse um tédio danado se passasse a vida num balcão do lado oposto da clientela, sem poder matutar sobre a pauta ou sem criar enredos como este que acabei de escrever partindo de uma cena de rua que sempre me enternece quando desembarco em Londrina, cidade que me faz refletir sobre as minúcias do cotidiano enquanto tomo café,
     Para ser uma pequena comerciante terei que nascer outra vez e ficar longe das canetas e dos  computadores que me provocam uma espécie de frenesi de contadora de histórias, enquanto uma bala de menta derrete na minha boca no momento exato em que termino este texto, acordando do sonho de ser uma vendedora de canudinhos flexíveis, como deveria ser nossa própria vida.   ( Texto extraído da Folha 2, escrito por CÉLIA MUSILLI,  celiamusilli@terra.com.br   WWW.sensiveldesafio.zip.net  publicado pela FOLHA DE LONDRINA, domingo 31 de Agosto de 2014).

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Comentários

Wanda Cobo

"Maravilha meu amigo, continue nos deliciando com suas ideias." W.D Londrina-Pr


Adilson Silva

Olá Professor José Roberto, Parabéns pelas excelentes matérias , muito bom conhecimento para todos. muita paz e fraternidade. Londrina-Pr

Marcos Vitor Piter

Excelentes e Sabias palavras parabéns Professor um Abraço dos Amigos de Arapongas - PR.

João Costa

Meus parabéns por vc e por tudo que pude ler continue levando este conhecimento p/ todos. Forte abraço! João Batista.
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Meu amigo continue contribuindo com a sua sabedoria. Forte abraço... João Batista 31/10/2013
Daiane C M Santos
Parabéns, muito criativo e inteligente!
Zeze Baladelli
Oi meu amigo,entrei seu blog,parabéns querido,voce é um gentleman,um grande amigo e muito inteligente,desejo que Deus te abençoe mais e mais...super beijo...



MARINA SIMÕES

Caro amigo Roberto, muito obrigada por suas sábias e verdadeiras palavras. Como é bom encontrarmos no nosso dia adia pessoas que comungam nossas idéias, nossas críticas, ou mesmo comentário sobre determinados assuntos. Eu procuro escrever e mostrar mensagens de
fé, de esperança, ou mesmo um alento carinhoso para nós que vivemos um mundo tão cruel, egoísta e caótico. Estou tentando escrever um comentário sobre seus textos. Parabéns, eu os tenho como que a "arquitetura" com as palavras. É um estilo totalmente seu, e meu amigo é simplesmente estimulante. Ele nos faz pensar e isto é muito bom. Um grande abraço. Marina.



JOÃO RENATO
Aqui estou eu novamente é impossivel não entrar aqui para vê estas maravilha por vc postada. Forte abraço do seu amigo hoje e sempre...........

ADALGISA
Parabéns! meu amigo querido!!!Adorei seu blog, mensagens lindas e suaves como a tua persoalidade e seu jeito de ser!!!Abraços e beijos.
TIAGO ROBERTO FIGUEIREDO
Parabéns professor José Roberto seu blog está divino..abs !
JAIRO FERNANDES
Olá, Querido Professor José Roberto! Fiquei muito emocionado com suas mensagens postadas, gostaria muito de revê-lo novamente após muitos anos, você fora meu professor e tenho muita saudade, gostaria que enviasse-me o seu endereço.ʺ Deus te ilumine sempreʺ Pois fazes parte de minha história de vida.
ALICE MARIA
Oi tio.Muito lindo seu cantinho na internet. Tô de olho. Lembro também de algumas coisas lá da Serra, principalmente da venda do vô Rubens. Beijo ,Alice Maria.

WANDA COBO

WANDA COBO

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