“Só hoje”. Era assim que a
professora Dalva escrevia na lousa todas as vezes que entrava na sala. Sempre
carregou consigo tal filosofia. Lecionar matemática era sua paixão.
Apaixonadamente também vivia cada dia como se fosse o último. Seu cérebro
sempre estufado de números, mesmo quando dentro daquele alvoroço todo, era o
que a mantinha viva, como às vezes dizia. Nunca lhe faltava ânimo. A disposição
sempre era sua inseparável amiga; as equações, sua sorte. Vez por outra se queixava da sala abafada e suja, mas logo
se lembrava de que tinha que terminar com os alunos tal equação, esquecendo
assim dos papéis que chutava no meio do caminho. Apenas pedia para abrir mais
uma janela. Queria aproveitar seu dia e desfrutar de seus algarismos e, quando
menos se esperava, seu rosto e sua roupa encontravam-se polvilhados de pó de
giz. Envolvia-se com tanta fluidez e
lucidez e falava muito. Com sua voz vulcânica sempre em ebulição, ardia-se toda
gesticulando e improvisando pequenos espetáculos em cada canto daquela tão
esprimida e enfadonha sala de aula.
Era assim a Dona Dalva, apaixonada. E apaixonava-se a cada dia, a cada aula e a cada gráfico que, abaixo da data de mais um dia extasiado que parecia ser seu último, introduzia a lousa. Talvez a matemática fosse somente uma consequência da sua paixão, pois gostava de estar perto de nós mais do que ninguém. Na verdade, preocupava-se conosco, com nossas circunstâncias, nossas decisões, nossa maneira de encarar o mundo, com o nosso tempo.
“O ontem é história. O amanhã é um mistério. O hoje é uma dádiva. Por isso é chamado de presente”, disse certa vez. Muitos não prestaram atenção. Outros deram ouvidos, mas não entenderam. Alguns desistiram, mas acho que hoje alguns ainda tentam entender. E assim transcorriam as aulas. E assim chegavam as notas baixas, os desentendimentos, o choro desesperado de algumas professoras, o salário magro, a solidão cheirando a giz e o abandono social. E, de repente, no corredor, sob vaias, via-se um aluno estupidamente ser espancado. E logo adiante, apoiada à porta da sala vizinha, deparava-se com mais uma aluna grávida. E assim nossos dias padeciam, escorrendo pelos dedos. E nós nos banhávamos... de acordo com a maré. (RODRIGO MORENO, jornalista em Londrina, página 3, Folha 2, espaço CRÔNICA, quarta-feira, 21 de outubro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
Era assim a Dona Dalva, apaixonada. E apaixonava-se a cada dia, a cada aula e a cada gráfico que, abaixo da data de mais um dia extasiado que parecia ser seu último, introduzia a lousa. Talvez a matemática fosse somente uma consequência da sua paixão, pois gostava de estar perto de nós mais do que ninguém. Na verdade, preocupava-se conosco, com nossas circunstâncias, nossas decisões, nossa maneira de encarar o mundo, com o nosso tempo.
“O ontem é história. O amanhã é um mistério. O hoje é uma dádiva. Por isso é chamado de presente”, disse certa vez. Muitos não prestaram atenção. Outros deram ouvidos, mas não entenderam. Alguns desistiram, mas acho que hoje alguns ainda tentam entender. E assim transcorriam as aulas. E assim chegavam as notas baixas, os desentendimentos, o choro desesperado de algumas professoras, o salário magro, a solidão cheirando a giz e o abandono social. E, de repente, no corredor, sob vaias, via-se um aluno estupidamente ser espancado. E logo adiante, apoiada à porta da sala vizinha, deparava-se com mais uma aluna grávida. E assim nossos dias padeciam, escorrendo pelos dedos. E nós nos banhávamos... de acordo com a maré. (RODRIGO MORENO, jornalista em Londrina, página 3, Folha 2, espaço CRÔNICA, quarta-feira, 21 de outubro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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