Moradora da região de Belo Monte quer escrever um livro que testemunhe o
lado B da história
Antonia Melo é uma moradora da região de Belo Monte tão resistente
como uma velha árvore. Passou os últimos seis meses ouvindo as máquinas pondo
abaixo as casas da vizinhança até que chegou sua vez. Um dia, encontrou o muro
dos fundos de sua casa derrubado junto com um pedaço de floresta que lhe servia
de quintal. Enxotada do lugar onde criou seus filhos e netos, ela é mais uma
entre tantos moradores que perderam não só a casa, perderam o espaço onde
passaram a vida. Antonia foi entrevistada pela jornalista Eliane Brum, que tem
publicado matéria no El País onde relata aquilo que a presidente da República
não conta quando enche a boca na ONU para falar de “ energia limpa “.
A hidrelétriva, na verdade, não vai só aumentar a potência energética do país, vai aumentar a miséria de uma população que vivia da pesca e da pequena agricultura, um contingente de milhares de pessoas que são nossos refugiados, colhidos por um naufrágio à beira do rio Xingu. Imaginem o que não é o impacto de outro Brasil chegando de repente para tomar seu mapa, arrombar sua porta e derrubar seu muro, transformar sua morada numa pilha de tijolos e, em contrapartida, oferecerem pela desapropriação de sua vida míseros R$ 12 mil reais, consumidos rapidamente em alugueis pagos em Altamira (PA), onde a população vai se alojando como podel
O conjunto habitacional onde antigos moradores da beira do caudaloso Xingu estão sendo realocados bem merecia o título sincero de Minha Casa, Minha Vida Falida. Lá, em cubículos alinhados como uma colmeia, milhares de pessoas tentam seguir a nova ordem , depois que as máquinas derrubaram os alicerces de sua própria existência. As construções de barragens são sempre uma cena de horror. Em 1984, acompanhei o desmanche das vilas dos trabalhadores de Itaipu, onde encontrei as mesmas colmeias inóspitas com ex-operários amontoadas antes da mudança. Terminada a construção da usina, acabou o trabalho, e uma multidão pegou a estrada em busca de um futuro que possivelmente ficou pelo caminho.
O conjunto habitacional de Melo Monte, que vi em fotografias, tem outra finalidade: servir de moradia permanente a quem perdeu sua casa nas desapropriações. Quem faz as plantas dos conjuntos habitacionais deve padecer de algum problema com a vida, de um descompasso que não permite imaginar um jardim, uma praça decente, uma árvore entre os postes. Criam monstrengos que dão às cidades um aspecto doentio, de vida sem vida, de teto sem gente, de bairro sem alegria.
Belo Monte, cuja licença de operação está suspensa pelo Ibama porque não foi cumprida a pauta socioambiental prometida, continua sendo uma ameaça a milhares de pessoas que não vão usufruir de “ energia limpa “ nem de ! vida sustentável “. Quando o Brasil poderia dar o salto em matéria de modelos de energia, foi tomado por um anacronismo do tempo da ditadura que previa transformar a Amazônia numa potência do agronegócio. O governo atual quer transformar a floresta num território de mineração, daí a necessidade de tanta energia elétrica. Além disso, a hidrelétrica não passa de um hidronegócio, nome dado pelos ambientalistas a esse projeto que vai matar o mítico Xingu. Dona Antonia quer escrever um livro para contar sua história, como uma velha árvores ela foi arrancada da terra, mas vai deixar a raíz para quem ainda se importar com gente e florestas. ( celiamusilli@terra.com.br página 4, FOLHA 2, espaço CÉLIA MUSILLI, domingo, 4 de outubro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA.
A hidrelétriva, na verdade, não vai só aumentar a potência energética do país, vai aumentar a miséria de uma população que vivia da pesca e da pequena agricultura, um contingente de milhares de pessoas que são nossos refugiados, colhidos por um naufrágio à beira do rio Xingu. Imaginem o que não é o impacto de outro Brasil chegando de repente para tomar seu mapa, arrombar sua porta e derrubar seu muro, transformar sua morada numa pilha de tijolos e, em contrapartida, oferecerem pela desapropriação de sua vida míseros R$ 12 mil reais, consumidos rapidamente em alugueis pagos em Altamira (PA), onde a população vai se alojando como podel
O conjunto habitacional onde antigos moradores da beira do caudaloso Xingu estão sendo realocados bem merecia o título sincero de Minha Casa, Minha Vida Falida. Lá, em cubículos alinhados como uma colmeia, milhares de pessoas tentam seguir a nova ordem , depois que as máquinas derrubaram os alicerces de sua própria existência. As construções de barragens são sempre uma cena de horror. Em 1984, acompanhei o desmanche das vilas dos trabalhadores de Itaipu, onde encontrei as mesmas colmeias inóspitas com ex-operários amontoadas antes da mudança. Terminada a construção da usina, acabou o trabalho, e uma multidão pegou a estrada em busca de um futuro que possivelmente ficou pelo caminho.
O conjunto habitacional de Melo Monte, que vi em fotografias, tem outra finalidade: servir de moradia permanente a quem perdeu sua casa nas desapropriações. Quem faz as plantas dos conjuntos habitacionais deve padecer de algum problema com a vida, de um descompasso que não permite imaginar um jardim, uma praça decente, uma árvore entre os postes. Criam monstrengos que dão às cidades um aspecto doentio, de vida sem vida, de teto sem gente, de bairro sem alegria.
Belo Monte, cuja licença de operação está suspensa pelo Ibama porque não foi cumprida a pauta socioambiental prometida, continua sendo uma ameaça a milhares de pessoas que não vão usufruir de “ energia limpa “ nem de ! vida sustentável “. Quando o Brasil poderia dar o salto em matéria de modelos de energia, foi tomado por um anacronismo do tempo da ditadura que previa transformar a Amazônia numa potência do agronegócio. O governo atual quer transformar a floresta num território de mineração, daí a necessidade de tanta energia elétrica. Além disso, a hidrelétrica não passa de um hidronegócio, nome dado pelos ambientalistas a esse projeto que vai matar o mítico Xingu. Dona Antonia quer escrever um livro para contar sua história, como uma velha árvores ela foi arrancada da terra, mas vai deixar a raíz para quem ainda se importar com gente e florestas. ( celiamusilli@terra.com.br página 4, FOLHA 2, espaço CÉLIA MUSILLI, domingo, 4 de outubro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA.
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