Acho que merecemos começar o
domingo com uma xícara de café e um recorte de pacificação
A literatura é um território
de imaginação ilimitada, o que não cabe na realidade, enfiamos com folga nas palavras. Uma crônica
pode nascer de um fato corriqueiro, já
relatei como Milton Hatoum tirou uma crônica do voo de uma mosca que o levou às
picadas que tomou na infância e ao abraço da mãe. Também observei como um passeio
a cavalo frustrado, revelou toda sensibilidade infantil de Fabrício Carpinejar,
cujo pai confundiu seu desejo de passear num pônei com o desejo de outro irmão
que cavalgou no seu lugar.
Quase sempre o tema da crônica se encontra numa cena de rua, num acontecimento que vem para nos dar o estalo de que ali está o início de um texto. Atualmente, o canto das cigarras tem acordado minha sensibilidade. Como em todos os verões elas cantam manifestando que a vida é breve, deve ser aproveitada e isso me faz pensar na minha própria vida e na de tantos cujo canto não escuto mais. Mas foi no Dia da Criança, remexendo álbuns de família, que a memória acordou de vez. Uma pequena fotografia desbotada em que eu – uma das poucas morenas da família – estou cercada de primos loiros me levou à varanda da casa de minha avó, onde nos reuníamos aos domingos. As imagens guardam a beleza de momentos únicos que me fazem sentir como as cigarras no verão, interessada em registrar de forma mais intensa possível a minha existência.
A escrita tem sido o instrumento que testemunha essa história. Faz anos que escrevo aqui aos domingos, usando as palavras como um túnel que me leva da realidade a um mundo fantástico onde realizamos aquilo que seria impossível como flagrar no tempo o voo da mosca ou o trote de um cavalinho que nem existe mais.
Neste verão em que encontramos notícias duras, o embate violento da política que ainda não nos permite vislumbrar caminhos, troco os temas pesados por essa reflexão de aproveitar a vida por janelas pequenas por onde entram a crônica. Hoje poderia fazer mais um discurso para mostrar o que eu penso da vida nacional e isso faria um enorme sentido ou nenhum, tendo em vista a saturação da informação cotidiana.
Se optasse por isso, decerto não faltaria assunto, mas tomei de propósito o caminho da divagação para registrar, neste outubro apocalíptico, que estou mais interessada no canto das cigarras do que tentar convencer alguém a pensar da mesma forma que eu no âmbito da política ou da economia. Às vezes é muito bom deixar de ser jornalista, porta-voz ou guru e ser apenas humano. É nesta condição que nos debruçamos nas pequenas coisas e as tornamos grandes ampliando a percepção. Neste momento, troco o choque da realidade, pela subjetividade da poesia. Acho que merecemos começar o domingo com uma xícara de café e um recorte de jornal que nos abra o dia como uma janela de pacificação. ( celiamusilli@gmail.com página 4, Folha 2, espaço CÉLIA MUSILLI, domingo, 18 de outubro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
Quase sempre o tema da crônica se encontra numa cena de rua, num acontecimento que vem para nos dar o estalo de que ali está o início de um texto. Atualmente, o canto das cigarras tem acordado minha sensibilidade. Como em todos os verões elas cantam manifestando que a vida é breve, deve ser aproveitada e isso me faz pensar na minha própria vida e na de tantos cujo canto não escuto mais. Mas foi no Dia da Criança, remexendo álbuns de família, que a memória acordou de vez. Uma pequena fotografia desbotada em que eu – uma das poucas morenas da família – estou cercada de primos loiros me levou à varanda da casa de minha avó, onde nos reuníamos aos domingos. As imagens guardam a beleza de momentos únicos que me fazem sentir como as cigarras no verão, interessada em registrar de forma mais intensa possível a minha existência.
A escrita tem sido o instrumento que testemunha essa história. Faz anos que escrevo aqui aos domingos, usando as palavras como um túnel que me leva da realidade a um mundo fantástico onde realizamos aquilo que seria impossível como flagrar no tempo o voo da mosca ou o trote de um cavalinho que nem existe mais.
Neste verão em que encontramos notícias duras, o embate violento da política que ainda não nos permite vislumbrar caminhos, troco os temas pesados por essa reflexão de aproveitar a vida por janelas pequenas por onde entram a crônica. Hoje poderia fazer mais um discurso para mostrar o que eu penso da vida nacional e isso faria um enorme sentido ou nenhum, tendo em vista a saturação da informação cotidiana.
Se optasse por isso, decerto não faltaria assunto, mas tomei de propósito o caminho da divagação para registrar, neste outubro apocalíptico, que estou mais interessada no canto das cigarras do que tentar convencer alguém a pensar da mesma forma que eu no âmbito da política ou da economia. Às vezes é muito bom deixar de ser jornalista, porta-voz ou guru e ser apenas humano. É nesta condição que nos debruçamos nas pequenas coisas e as tornamos grandes ampliando a percepção. Neste momento, troco o choque da realidade, pela subjetividade da poesia. Acho que merecemos começar o domingo com uma xícara de café e um recorte de jornal que nos abra o dia como uma janela de pacificação. ( celiamusilli@gmail.com página 4, Folha 2, espaço CÉLIA MUSILLI, domingo, 18 de outubro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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