2016 detonou minha fé no coletivo. Mas aí veio a tragédia da Chapecoense. E com ela a maior enxurrada que já vi de amor e compaixão
Quando esta FOLHA me pediu uma retrospectiva de 2016, eu, de cara, achei a pior tarefa do mundo. Viver 2016 foi difícil. Reviver, então, seria tortura. Para quem escreve e para quem lê.
O ano caminhou entre guerras, acidentes, tragédias, impeachment, corrupção, epidemias, falências e desamor. Teve de tudo um pouco, nesse coquetel amargo que nos foi servido dose a dose, goela abaixo, por 12 meses.
Em 2016, perdi parentes, ídolos, amigos, mas sobretudo perdi boa parte da minha esperança. O que, diga-se, devo muito à política brasileira, que abriga o pior material humano, reunido para se construir um país.
O Congresso, por exemplo, que deveria planejar o futuro, passa o presente tentando negar o passado. Corruptos por tudo o lado, montando em praças pública seus balcões de negócios. Essa gente que vive no desvio, na sombra, no erro, sugando nosso sangue sem remorso. Mas não quero me lembrar de nada disso. Nem fazer ninguém se lembrar.
De bom, ficamos com pequenas alegrias, gestos individuais, exceções em meio ao caos.
A gente se agarra ao sorriso de um filho, à irmã que passa no vestibular, ao amigo que se curou de algo perigoso. Mundanas alegrias de gente perto da gente, que levam nosso sorriso para dar uma volta.
O ano de 2016 detonou minha fé no coletivo. Era o que eu achava. Mas aí veio a tragédia da Chapecoense. E com ela a maior enxurrada que já vi de amor, generosidade e compaixão pela dor do outro.
Num meio tão passional, egoísta e cheio de rivalidades foi emocionante assistir a um gesto após o outro de carinho e solidariedade.
A atitude do Atlético Nacional, time colombiano, de não aceitar divisão, pedindo que a Chapecoense fosse campeã única da Copa Sul-Americana, foi de uma grandeza comovente.
Como se não bastasse, o povo colombiano lotou o estádio do time, em Medelin, e usou a data do final do campeonato para celebrar seus rivais, chorar por eles, cantar por eles.
Ver milhares de pessoa sentindo a dor do outro – mais ainda, do “inimigo” – é tão bonito, tão emblemático, tão raro, que me encheu de orgulho e amor, devolveu-me a esperança.
A onda de generosidade foi ganhando corpo. Jogadores e equipes do mundo inteiro se manifestaram dentro e fora do campo, oferecendo seu apoio, sua força, seu amor.
Se a humanidade é capaz de gestos como esses que vimos pelo mundo, um após o outro, um mais lindo que o outro, então há esperança.
Muita coisa aconteceu em 2016, mas preferi gastar as linhas que me deram com o pedaço do ano que pode nos ensinar algo, apontar um caminho para todos.
E não é um caminho difícil. Basta olhar para o outro, perceber que ele existe e tentar se imaginar no lugar dele.
Até o final de novembro estava claro para mim: 2016 “bugou”. Que a tragédia da Chapecoense tenha servido para reiniciar o sistema. ( FONTE: MARCIUS MELHEM, ator, jornalista e redator final dos programas de humor “Tá no Ar: A TV na TV e Zorra (TV Globo), página 3, TENDÊNCIAS / DEBATES, Opinião, domingo, 1º de janeiro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE S.PAULO).
Nenhum comentário:
Postar um comentário