A reportagem sobre o Rio Tibagi fez lembrar o inglês Thomas Bigg-Weather, que em 1872-75 percorreu o Paraná de burro e canoa, integrando missão de engenheiros a traçar ferrovia do Paraná para o Pacífico, sonho ainda hoje pulsante.
Seu livro – “Novo Caminho no Brasil: a Província do Paraná” – é estupendo em textos e ilustrações. A ilustração acima mostra grande canoa passando cascata rio abaixo, mas, depois de chegar a Jataizinho vindo lá de Tibagi, ele refez o caminho de volta – subindo o rio! – com duas canoas menores e mais leves (apenas 750 quilos cada uma...).
No leme, Telêmaco Borba, ele mesmo que hoje nomeia cidade e erra o timoneiro. Seis índios caiuás empurravam – isso mesmo, empurravam – as canoas correnteza acima, com longos varões de pindaíba aferrados nas pontas. Nas suas próprias palavras:
“Cada dois homens enfiavam as varas até o fundo do rio, simultaneamente, e, voltados para o lado da popa, saem correndo para os suportes das arruadas, enquanto, com a tração muscular e o peso de seus corpos, a pesada canoa desliza entre os varões pesados. Os homens, chegando ao fim da curta corrida, retornam ao ponto de partida, equilibrando-se sobre o estreito suporte, daí repetindo a operação.
“Subindo forte corredeira, dois homens seguram a canoa com seus varões, para que não desça o rio, enquanto os outros dois correm para a popa empurrando a canoa para frente, daí a seguram, para que os outros dois façam o mesmo e depois repetem a operação. Assim se pode ascender fortes corredeiras e até cataratas, contanto que a canoa tenha boas pegadas para os varões e que as ondas que batem na proa, não sejam tão altas que a alague.
“Nosso trabalho diário pode ser resumido na simples afirmação de que, nas seis semanas desde nossa partida de jatahy (hoje Jataizinho) até a cidade de Tibagi, descarregamos inteiramente as canoas nada menos que 32 vezes e transportamos seu conteúdo nas costas, por longas distâncias, sobre rochas escorregadias e picadas espinhentas da floresta. Três vezes as próprias canoas tiveram de ser tiradas da água e arrastadas através da floresta, por caminhos feitos para isso, a fim de transpor cataratas intransitáveis. Desde vários dias que nos alimentávamos somente de carne de porco e arroz, terminadas as outras provisões.”
Por que não pescavam? Porque subiam o rio o dia inteiro e, à noite, tinham de armar tendas e mosquiteiros, fazer fogo e comida e tudo mais. Peixes o rio tinha tanto que, em corredeiras rasas, os índios caçavam e sangravam macaco e então, atraídos pelo sangue, grandes dourados subiam a corredeira sequiosos, sendo abatidos pelos índios... a pauladas!
Depois Bigg-Weather teve de esperar cinco meses pelo embarque para Inglaterra, num Rio de Janeiro assolado pela febre amarela: “A pestilência avançava, com espetáculos de caixões de defuntos, descobertos e disformes, em disparada através das ruas, na pressa cruel de chegar aos cemitérios”. E pensar que, depois de mais de século, a febre amarela continua por aí...
Mas seu último parágrafo transpira amor pelo Brasil: “Sempre me lembro do tempo que passei no Império do Cruzeiro do Sul, com a íntima esperança de algum dia poder rever as suas grandes campinas e grandiosas e taciturnas florestas, e talvez fumar outro cigarro de palha de milho, com um camarada brasileiro, ao lado de uma fogueira de acampamento”. (Crônica escrita pelo jornalista e escritor DOMINGOS PELLEGRINI, página 3, caderno FOLHA 2, coluna AOS DOMINOGS PELLEGRINI, 25 e 26 de novembro de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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