Há poucos dias vivemos a comoção de uma tragédia que teve como cenário uma escola e como protagonista um de seus alunos, pior, um adolescente. Triste para as famílias das vítimas; triste para os que saíram ilesos fisicamente, mas que arrastarão por anos os fantasmas daquele momento. Uma desdita para os pais do garoto que que precipitou o tal ato e para ele próprio, pois mesmo depois de passado o sobressalto, silenciadas as vozes condenatórias, restarão em sua mente as cenas terríveis daquele momento de extrema fúria e descontrole emocional. O agressor não era um criminoso. Aliás, até o momento que disparou o primeiro tiro, segundo relatos de colegas, era ele a vítima de um crime silencioso que se apresenta disfarçado de “brincadeirinha”: o bullying.
Mas tiremos o foco desse episódio já explorado à exaustão pela mídia e nos centremos no problema em si que se caracteriza pelo assédio continuado, praticado contra alguém, um colega de turma, um vizinho do condomínio, do bairro, do trabalho, etc. por uma ou um grupo de pessoas. Pode envolver maus-tratos físicos, mas o mais comum é o assédio moral e psicológico que, pela frequência e continuidade em que ocorrem, neutralizam os recursos internos da vítima, minimizando as possibilidades de defesas, minando sua resistência, enfim, causando um dano irreparável à sua estrutura psicofísica.
Ansiedade, depressão, insônia, dificuldade de concentração, apatia, síndrome do pânico são muito frequentes nesses casos, além dos diversos sintomas fisiológicos. É um sofrimento silencioso que envolve a vergonha diante da própria impotência e, por isso, raramente é comunicado. Na maioria dos casos, professores, orientadores e nem mesmo os pais tomam conhecimento do problema, pois mesmo que percebam que algo não está bom e questionem o sofredor, ele negará, já que assumir revelará a sua própria impotência em resolver a questão que é oriunda de seus próprios pares, jovens como ele. Adultos não entenderiam isso, deduzem.
Feitos esses apontamentos já é possível entender que a vítima do bullying sofre onde a ferida mais dói: na sua personalidade; na essência de seu ser; ser dilacerado, ofendido, maltratado. Sente-se sucumbindo moralmente, psicologicamente e até fisicamente, e uma das possibilidades é desenvolver uma ideação de inversão do quadro, ou seja, sair da condição de vítima para agressor. Não deixa de ser uma reação do instinto de sobrevivência como a de um animal acuado que ataca a fera que o persegue. Por outro lado, se o objeto da “caça” for o seu próprio sentimento de fraqueza, a eliminação dele pode implicar uma ideação de autoeliminação. Os estudos sobre suicídios entre adolescentes aponta o bullying como uma das causas prevalentes, juntamente com as drogas, depressão e outros distúrbios.
Não é um fenômenos novo na sociedade. Nova é a dimensão que atingiu, especialmente na versão cyber, através das redes sociais, de onde se alastra e contamina os relacionamentos reais. Também não é um fenômeno exclusivo da adolescência, mas nessa fase se ambienta com maior crueza puxada pela necessidade de autoafirmação , típica do processo do adolescer. Estranhamente o “bully” possui das mesmas carências psicoafetivas das vítimas, mas por características pessoais as projeta para a heteroagressão.
Voltando a citar o episódio acima, houve uma mãe que numa declaração afetada pela emoção do momento disse “Mas bullying não é motivo para matar!”. Realmente, não é, aliás, nada justifica matar. As gozações, as ofensas morais e o assédio continuado também não matam por si, mas seus efeitos sobre um adolescente singular, vulnerável emocionalmente, com uma história de vivências negativas, baixa autoestima, timidez, medo, etc., podem se tornar uma arma destrutiva. Cada ser tem seu limiar para a pressão psicológica e não há por que pô-lo à prova. (FONTE: JAIR QUEIROZ, psicólogo e pós-graduado em Segurança Pública em Londrina, página 2, coluna ESPAÇO ABERTO, quarta-feira, 8 de novembro de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).* Os artigos devem conter dados do autor e ter no máxima 3.800 caracteres e no mínimo 1.500 caracteres. Os artigos publicados não refletem necessariamente a opinião do jornal. E-mail: opiniaofolhadelondrina.com.br).
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