Sou um herói: fiz um estilingue para o neto.
Caetano olhou nos olhos quando perguntei o que queria de presente.
Um estilingue, vô – o olhar faiscando.
Oposição geral da mãe e das avós cerrando fileiras: estilingue jamais! Pra que, matar passarinho? Ou pra quebrar vidraça?!
Ora, falei não é só Caetano querendo o estilingue, é também o caçador ancestral nele, e também o moleque de quintal, a origem rural. E não falam tanto da importância dos rituais de passagem? Mas os meninos têm também o arsenal de passagem: da espada de plástico ao ao revólver de munição inesgotável, passando pelas lanças de cabo de vassoura e pela atração por faca e canivete, menino cresce entre armas.
Sem homens armados para caçar e defender a família, lá no tempo das pedras, a gente nem teria chegado aqui!
Além disso, vida é experiência: como alguém vai superar as armas se nem as conhecer? E quem sabe o que um guri pode aprender com o estilingue?
Vencida a guerra verbal, fui caçar forquilha. Achei na jaboticabeira, já antevendo o estilingue. Cortei com serrinhas e, no terraço, descasquei com o canivete do vô João.
Com faca de pão, fiz as frinchas nas duas pontas da forquilha. Na farmácia peguei “tripa de mico”, a fita elástica para garrote no braço, e na bicicletaria consegui retalhos de câmara de ar. Mas e couro para a lingüeta? Uma velha botina ficou sem calcanhar.
E fizemos o estilingue diante de Caetano, na beira de lagoa de pesqueiro, Dalva ajudando a fazer os amarrios, tudo conforme me lembro dos moleques fazendo, lá na meninice, mas eu mesmo nunca fiz e tentei fazer um estilingue. Caetano olhava atentíssimo, e eu temerosíssimo de não conseguir.
Daí fomos almoçar, Caetano engolindo a comida para ir estilingar. Falamos tome cuidado, hem para não acertar alguém. Daí a pouco volta ele, pela mão de um senhor a perguntar:
- Quem é o responsável por este menino que me acertou uma pedrada?
Pedrinha, gemeu Caetano. Desculpas, explicações. E depois, no carro de volta à cidade:
- Aprendeu, Caetano?
Aprendi, seu olhar falou no retrovisor, depois a voz repetiu : - Aprendi, vô.
Falou baixinho, e eu também:
- Sabia que você ia aprender alguma coisa com o estilingue?
Ele voltou a colocar o estilingue como um colar precioso no pescoço. ( Texto escrito por DOMINGOS PELLEGRINI, página 14, espaço DOMINGOS PELLEGRINI d.pellegrini@sercomtel.com.br publicação do JORNAL DE LONDRINA, domingo,3 de maio de 2015).
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