Era um dia escuro e cinza, quase chuvoso, quando minha irmã se mudou para a rua ao lado. A casa, como muitas na cidade, tinha um quintal todo cimentado, de cima abaixo. Até havia sinal de uma floreira que acompanhava todo o perímetro do quintal, colado ao muro, cimentada. Normal.
Na correria do dia a dia na cidade ninguém tem tempo para pensar no que falta no quadro que vê cotidianamente. Nem quando o calor castiga pensamos que a solução mais óbvia é plantar árvores. Preferimos sonhar com os aparelhos de ar condicionado que se entulham em promoções caríssimas nas portas das lojas de móveis.
Quando falta água, nem lembramos que o asfalto é impermeável, pensamos que calçada boa é de cimento e bueiro leva água das chuvas para o esgoto, não para os lençóis freáticos. Sentimos que falta algo na nossa paisagem no nosso habitat, mas não nos lembramos mais o que pode ser.
Estamos muito ocupados para perceber que na busca pela praticidade, cimentar o quintal, ao invés de juntar as folhas caídas da troca de estação. E seguimos, no fluxo interminável de tarefas e pressas, sem ao menos perceber que a cada dia, uma árvore a menos atrapalha a calçada, um pedaço a menos de chão suja de barro nossos sapatos, que menos folhas entulham os quintais.
E assim era aquele pedaço de cimento e pedra ao fundo da nova casa da minha irmã, no coração de Votorantim. Um incômodo. Aquele incômodo que a gente sente quando sai de casa sabendo que esqueceu algo e não consegue se lembrar o quê. A gente puxava a cadeira para conversar no final de um dia de muito calor à sombra da casa e olhávamos para o cinza em volta, sem ao menos dar-nos conta da ausência.
Eu visitava sempre a minha irmã. Hiperativa, chegava pulando muro e portões e gritando o nome dela: “Dirlei!” O corredor da rua dava acesso para o quintal e para a porta dos fundos, que estaria aberta, se ela estivesse lá, claro. Menos tempo de espera entre eu, o sofá e a taça de sorvete.
Nesse dia, em particular, quando cheguei do cursinho pré-vestibular, corri para a casa dela. Fui logo pulando muro e portão num salto, chamando pelo nome e ouvindo a conversa no fundo da casa. Minha mãe estava com ela. As duas olhavam admiradas para um canto no quintal. Quando me aproximei, vi o que chamava a atenção das duas. No meio do concreto, cercado de cimento, sem rastro, nem pistas, nasceu um girassol. Nosso olhar e nosso silêncio só indagavam uma questão: Como? ( PATRÍCIA MARIA ALVES, Jornalista na FOLHA, página 2, espaço DEDO DE PROSA, FOLHA RURAL, sábado, 7 de novembro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
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