Minha vó sempre conta com
alegria sobre a infância dela na casa da família na Rua Trapicheiro no bairro
do Carrão, zona leste de São Paulo. Ela diz que a nonna – que teve 12 filhos e
perdeu alguns ainda crianças – era uma
cozinheira de mão cheia. E tinha mesmo que ser porque precisava alimentar a
filharada, quatro meninos e quatro meninas, com o pouco que conseguia comprar
na venda do bairro. Às vezes ela precisava apelar para o fiado, mas quase
sempre tinha na mesa e macarronada preparada pela matriarca com as próprias
mãos. E o cuscuz que até hoje é lembrado pelas netas e reproduzido pela minha
avó.
Italiana, a nonna mudou-se para o Brasil já adolescente, acompanhando o pai. Eram só os dois. A vó conta que os padrinhos dela a colocaram no navio sem que ela soubesse que faria a viagem e quando ela se deu conta, estava atravessando o oceano rumo a terras desconhecidas.
Chegando aqui, no começo do século passado, com os pertences guardados em baús, o bisnonno e a filha foram trabalhar numa fazenda de café no interior paulista. A filha, linda como ela só, chamava a atenção da homarada, então o pai teve que fugir do campo para proteger a honra da filha.
Na capital paulista, a nonna já adulta, foi trabalhar de cozinheira na casa de um rico português que morava em uma mansão na Avenida Paulista. Seus dotes culinários eram tão admirados – e sua beleza e educação também -, que o patrão resolveu buscar um irmão fanfarrão que morava em Portugal para casar-se com a italiana.
Pois no início ela não queria saber do gajo, que só gostava de curtição, mas acabou se rendendo e partindo com ele para a zona leste da cidade que não era nem sombra da metrópole que é hoje.
O quintal da família ítalo-portuguesa era enorme e no início abrigava apenas a casa grande – mas que não era nenhuma mansão -, onde pais e filhos dividiam poucas camas na hora de dormir. Minha vó lembra que dormia virada para os pés de uma das irmãs. Como tinham pouca diferença de idade, dividiam ainda roupas sapatos e brinquedos, que eram escassos.
E a vó conta que além da horta com ervas e verduras, a nonna costumava criar porcos no quintal. Ela mesma os matava e conservava em grandes latões cheios de banha. Era como se eles morassem num sítio no meio da cidade. E eu só fico imaginando como seria o cheirinho do tempero do arroz e feijão da minha bisavó e da carne com batatas que minha vó aprendeu a fazer com ela e que me faz salivar só de lembrar do gosto.
Os anos se passaram e o terreno abrigou as famílias de alguns dos filhos casados. Minha mãe foi uma das netas que nasceram naquele quintal da Rua Trapicheiro.
Não conheci o vovô português e minha nonna morreu quando eu tinha dez anos. Não lembro muito dela, só dos seus cabelos brancos. Mas lembro que aquela casa antiga onde vez ou outra eu a visitava era enorme e tinha uma fachada linda. Na minha época, o pátio era todo cimentado e ficava difícil imaginar porcos fuçando por ali. Mas prefiro ficar com as histórias da vó, que sempre derrama uma lágrima de saudade quando fala da sua infância dura, mas carinhosa (Texto escrito por MARIANA GUERIN, jornalista na FOLHA, extraído da página 2, espaço DEDO DE PROSA, do caderno FOLHA RURAL, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado, 28 de março de 2015).
Italiana, a nonna mudou-se para o Brasil já adolescente, acompanhando o pai. Eram só os dois. A vó conta que os padrinhos dela a colocaram no navio sem que ela soubesse que faria a viagem e quando ela se deu conta, estava atravessando o oceano rumo a terras desconhecidas.
Chegando aqui, no começo do século passado, com os pertences guardados em baús, o bisnonno e a filha foram trabalhar numa fazenda de café no interior paulista. A filha, linda como ela só, chamava a atenção da homarada, então o pai teve que fugir do campo para proteger a honra da filha.
Na capital paulista, a nonna já adulta, foi trabalhar de cozinheira na casa de um rico português que morava em uma mansão na Avenida Paulista. Seus dotes culinários eram tão admirados – e sua beleza e educação também -, que o patrão resolveu buscar um irmão fanfarrão que morava em Portugal para casar-se com a italiana.
Pois no início ela não queria saber do gajo, que só gostava de curtição, mas acabou se rendendo e partindo com ele para a zona leste da cidade que não era nem sombra da metrópole que é hoje.
O quintal da família ítalo-portuguesa era enorme e no início abrigava apenas a casa grande – mas que não era nenhuma mansão -, onde pais e filhos dividiam poucas camas na hora de dormir. Minha vó lembra que dormia virada para os pés de uma das irmãs. Como tinham pouca diferença de idade, dividiam ainda roupas sapatos e brinquedos, que eram escassos.
E a vó conta que além da horta com ervas e verduras, a nonna costumava criar porcos no quintal. Ela mesma os matava e conservava em grandes latões cheios de banha. Era como se eles morassem num sítio no meio da cidade. E eu só fico imaginando como seria o cheirinho do tempero do arroz e feijão da minha bisavó e da carne com batatas que minha vó aprendeu a fazer com ela e que me faz salivar só de lembrar do gosto.
Os anos se passaram e o terreno abrigou as famílias de alguns dos filhos casados. Minha mãe foi uma das netas que nasceram naquele quintal da Rua Trapicheiro.
Não conheci o vovô português e minha nonna morreu quando eu tinha dez anos. Não lembro muito dela, só dos seus cabelos brancos. Mas lembro que aquela casa antiga onde vez ou outra eu a visitava era enorme e tinha uma fachada linda. Na minha época, o pátio era todo cimentado e ficava difícil imaginar porcos fuçando por ali. Mas prefiro ficar com as histórias da vó, que sempre derrama uma lágrima de saudade quando fala da sua infância dura, mas carinhosa (Texto escrito por MARIANA GUERIN, jornalista na FOLHA, extraído da página 2, espaço DEDO DE PROSA, do caderno FOLHA RURAL, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado, 28 de março de 2015).
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