Que venham mais beijos gays nas novelas e
menos filmes de super homens
Às vezes acho que a ousadia aposentou-se. Digo isso pensando na vida, na
arte e até nos beijos de novela. De modo
geral, as pessoas andam por aí mais preocupadas com suas rotinas, as contas a
pagar e os compromissos sérios. As exceções acontecem nos momentos em que por
alguma razão especial, como o amor, recuperamos o fôlego de viver, sem tantas críticas,
exigências e preconceitos.
Neste momento o Brasil inteiro discute política, com direito a arranca-rabos e muito mau humor, o que talvez justifique o cansaço de não ousar um pouco além deste território enfadonho. Mas a minha observação sobre a falta de ousadia já vem de tempos. Desde que observei que na arte está faltando o apelo da novidade, a vontade de fazer da música, da pintura, da literatura, do cinema, uma revolução.
As revoluções culturais e estéticas têm o dom de fazer soprar o vento do novo. Ainda que às vezes se formem tempestades. Mas ainda prefiro mais excentricidade na vida e na arte do que apenas discutir se que tem razão é o PT ou o PSDB, porque aí os debates caem numa pobreza suprema, numa indigência de propostas para além dos umbigos políticos e o mundo fica mais chato.
Em algum momento fomos mais sonhadores, nossos artistas abriam caminhos com armas criativas, mesmo quando lideravam um protesto. Querem protesto maior do que o Surrealismo? Criado e construído entre duas guerras, num dos momentos mais graves do mundo, ainda assim firmou-se como um grande apelo à ousadia e ao sonho. O maior mérito deste movimento foi incitar a fantasia e para isso não havia limites. Salvador Dali que o diga com suas telas malucas, onde sua mulher Gala era representada com costelas de boi sobre os ombros. O absurdo não era o limite. Desde os 20 anos, os dadaístas caprichavam nas exposições, nas quais houve até um artista escondido no armário insultando as personalidades que chegavam. Ninguém sabia de onde vinha a voz. Hoje, uma performance assim em Brasília exigiria uma trupe enorme para dizer umas verdades Mas no Congresso Nacional as performances são outras, os políticos parecem que apeiam de um cavalo e entram com as armas escondidas no paletó, puro faroeste. A graça é que ainda se chamam mutuamente de Vossa Excelência.
Para não ficar apenas nos exemplos muito distantes, lembro-me também de Glauber Rocha, em plena ditadura, politizado e irreverente, fazendo a critica ao regime no cinema como um anjo da revolução estética. Emblemático e engraçadíssimo seu quadro no programa Abertura, na TV Tupi, em 1979, quando ele conclamava os pais de família a protegerem seus filhos do Super Homem, que era o filme sensação no momento. Assim punha Cristhopher Reeve no chinelo. Também detonava a Embrafilme e exaltava cineastas que admirava como Franco Zafirelli. Estava inserido em outro sonho e tinha um discurso menos marqueteiro. Hoje, artistas e criadores pensam duas vezes antes de fazer críticas contundentes. Dependem da Lei Rouanet e preferem bater continência aos editais de cultura, jamais insultariam autoridades mesmo escondidos em armários, nem desafiariam os super homens que controlam o dinheiro.
Sinto informar mas vivemos a época da cultura de ovelhas E nem sabemos direito como nos metemos nesse rebanho. Falta ousadia que, como eu disse no começo, parece uma senhora aposentada que se contenta em ver novela. O máximo de irreverência é um beijo gay na TV que, cá entre nós, chega tarde, mas provoca uma inquietação, uma crítica que mostra quanto nos tornamos conservadores. Excetuando-se alguns nichos no teatro, vão longe os tempos dos artistas que desafiam costumes. Hoje todos querem ganhar prêmios e para isso sentam-se bem comportados na sala de visitas. Eu sonho com uma arte fora da sala de visitas. Ainda que seja para embalar o sonho de sermos livres das amarras que colocamos em nossas próprias vidas. Que pelo menos na arte a porta permaneça aberta a uma luz escandalosa que nos tire do comodismo geral. Às vezes, a única coisa que salva é a fantasia. E que venha mais beijos. ( Texto escrito por CÉLIA MUSILLI, celiamusilli@terra.com.br extraído da página 4, FOLHA 2, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, domingo, 22 de março de 2015)
Neste momento o Brasil inteiro discute política, com direito a arranca-rabos e muito mau humor, o que talvez justifique o cansaço de não ousar um pouco além deste território enfadonho. Mas a minha observação sobre a falta de ousadia já vem de tempos. Desde que observei que na arte está faltando o apelo da novidade, a vontade de fazer da música, da pintura, da literatura, do cinema, uma revolução.
As revoluções culturais e estéticas têm o dom de fazer soprar o vento do novo. Ainda que às vezes se formem tempestades. Mas ainda prefiro mais excentricidade na vida e na arte do que apenas discutir se que tem razão é o PT ou o PSDB, porque aí os debates caem numa pobreza suprema, numa indigência de propostas para além dos umbigos políticos e o mundo fica mais chato.
Em algum momento fomos mais sonhadores, nossos artistas abriam caminhos com armas criativas, mesmo quando lideravam um protesto. Querem protesto maior do que o Surrealismo? Criado e construído entre duas guerras, num dos momentos mais graves do mundo, ainda assim firmou-se como um grande apelo à ousadia e ao sonho. O maior mérito deste movimento foi incitar a fantasia e para isso não havia limites. Salvador Dali que o diga com suas telas malucas, onde sua mulher Gala era representada com costelas de boi sobre os ombros. O absurdo não era o limite. Desde os 20 anos, os dadaístas caprichavam nas exposições, nas quais houve até um artista escondido no armário insultando as personalidades que chegavam. Ninguém sabia de onde vinha a voz. Hoje, uma performance assim em Brasília exigiria uma trupe enorme para dizer umas verdades Mas no Congresso Nacional as performances são outras, os políticos parecem que apeiam de um cavalo e entram com as armas escondidas no paletó, puro faroeste. A graça é que ainda se chamam mutuamente de Vossa Excelência.
Para não ficar apenas nos exemplos muito distantes, lembro-me também de Glauber Rocha, em plena ditadura, politizado e irreverente, fazendo a critica ao regime no cinema como um anjo da revolução estética. Emblemático e engraçadíssimo seu quadro no programa Abertura, na TV Tupi, em 1979, quando ele conclamava os pais de família a protegerem seus filhos do Super Homem, que era o filme sensação no momento. Assim punha Cristhopher Reeve no chinelo. Também detonava a Embrafilme e exaltava cineastas que admirava como Franco Zafirelli. Estava inserido em outro sonho e tinha um discurso menos marqueteiro. Hoje, artistas e criadores pensam duas vezes antes de fazer críticas contundentes. Dependem da Lei Rouanet e preferem bater continência aos editais de cultura, jamais insultariam autoridades mesmo escondidos em armários, nem desafiariam os super homens que controlam o dinheiro.
Sinto informar mas vivemos a época da cultura de ovelhas E nem sabemos direito como nos metemos nesse rebanho. Falta ousadia que, como eu disse no começo, parece uma senhora aposentada que se contenta em ver novela. O máximo de irreverência é um beijo gay na TV que, cá entre nós, chega tarde, mas provoca uma inquietação, uma crítica que mostra quanto nos tornamos conservadores. Excetuando-se alguns nichos no teatro, vão longe os tempos dos artistas que desafiam costumes. Hoje todos querem ganhar prêmios e para isso sentam-se bem comportados na sala de visitas. Eu sonho com uma arte fora da sala de visitas. Ainda que seja para embalar o sonho de sermos livres das amarras que colocamos em nossas próprias vidas. Que pelo menos na arte a porta permaneça aberta a uma luz escandalosa que nos tire do comodismo geral. Às vezes, a única coisa que salva é a fantasia. E que venha mais beijos. ( Texto escrito por CÉLIA MUSILLI, celiamusilli@terra.com.br extraído da página 4, FOLHA 2, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, domingo, 22 de março de 2015)
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