Era janeiro, o sol escaldante que castigava a roça de milho que estava quase na época da colheita. Tempo parado sem uma pequena brisa, só se ouvia o cantar das cigarras. Tio Gerso e os filos na labuta no meio do milharal. Todos de camisa de manga comprida, pois as folhas da planta em contato com a pele causavam uma coceira danada.
Primo Nerso, isso mesmo, era o nome dele, não gostava muito do trabalho da roça. Gostava mesmo era de fazer uns “negocinhos”, como compra e venda de bezerros, porcos, galinhas, relógios e até bicicletas. Tinha seus vinte e poucos anos, e quando ia para a cidade ou nos bailes, passava glostora no cabelo para assentar e usava o perfume Royal Briar, um tanto enjoativo.
Nesse dia após o almoço Nerso sofreu um desmaio, ficou pálido, lábios roxos, e suando muito, molhando toda a roupa. Imediatamente socorrido pelos irmãos e levado ao carreador, embaixo de uma frondosa mangueira, tiraram a camisa e jogaram água fresca da moringa na sua cabeça. “Recobrou” os sentidos e foi levado para casa. Tia Orélia correu no quintal e veio com um punhado de ervas medicinais fazendo chá adoçado com mel de abelha jataí.
No dia seguinte, no café da manhã, Nerso, para o espanto da família, comunicou a todos que iria ajudar no término da colheita e não trabalharia mais na roça. Iria tentar a vida na cidade.
Dias depois mandou uma carta para seu Josué, que tinha sido vizinho de sítio e mudara com a família há tempos para São Paulo, dizendo de sua intenção de trabalhar lá. Dias depois, a resposta do seu Josué colocando a casa a sua disposição.
Chegou o dia da partida, tio Gerso, um gaúcho, enérgico e durão, deixou cair lágrimas ao despedir do filho. Tia Orélia não se conformava, tinha chorado muitos dias antes. Os outros irmãos inconsolados levaram Nerso até a rodoviária que partiu rumo a grande cidade.
Dias depois, no ABC paulista, estava trabalhando como vendedor em uma loja popular onde só vendia calças faroeste.
Muitas vezes, principalmente a noite, ficava pensando se tinha sido boa decisão largar a família e vindo para a grande cidade. Saudades dos pais e dos irmãos. Chorava muito, mas tinha seus objetivos. Um de seus piores dias foi quando numa manhã indo para o trabalho o ônibus estava muito lotado, e no empurra-empurra sua marmita caiu e foi pisoteada pelos demais passageiros expondo seu almoço (um ovo frito e um torresmo como mistura). Envergonhado juntou a mesma, toda amassada. Naquele dia ficou sem o almoço.
Católico, ia aos domingos à missa, como recomendação da mãe. Às vezes não ajoelhava pois seu sapato precisava de uma nova meia sola, e ele não tinha dinheiro para consertar.
O tempo passou, já morando em uma pensão e com as economias comprou uma Kombi e com algumas calças passou a frequentar as portas das fábricas, negociando suas mercadorias. Negócios prosperavam, já tinha saído do emprego, comprou mais uma perua e trouxe dois irmãos para trabalhar com ele.
Anos se passaram, já proprietário de suas lojas e com toda a família morando na capital, veio nos visitar com seu carrão, um Simca Chambord. Tinha vencido na vida.
Meu pai, então perguntou ao sobrinho se ele tinha saudades do milharal. Ele respondeu: “Olha tio, só me lembro de milho quando estou comendo algumas espigas na praoia “Zé Menino” em Santos. (FONTE: Crônica escrita por Sidney Girotto, leitor da FOLHA, página 2, coluna DEDO DE PROSA, caderno FOLHA RURAL, 25 e 26 de novembro de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).
Nenhum comentário:
Postar um comentário