O tempo pode ser
visto na sua pele. As ruas estão em todo seu corpo, que um dia foi como uma flor, aveludada e
cintilante. Mas, como um segredo, ela agora, com seus 105 anos, guarda uma alma
jovem. A alegria é vista constantemente em seu sorriso, que tem vida própria
nas gargalhadas da velha senhora. Conseguiu, com o tempo, guardar imensos
tesouros e ao imaginar que sua ciência um dia vai se calar, nasce uma vontade de chorar.
Palmira, baiana, benzedeira e
parteira. Entende de tudo, sua crença, casada com sua ciência, herdada de sua
mãe, fez da menina uma “médica” de toda a região.
“Está com o vento virado, encosta na
parede meu filho. Veja como você está com uma das pernas maior que a outra. Vou
“endireitar” isso. Uma massagem puxando os braços encolhia a perna maior. E lá se ia o
vento que turvou a vida daquele.
“Está com os ‘zóio” ruim filha. Entrou
ar na testa. Vou fazer o benzimento e
esse carvão que está na água vai subir. Então vamos lavar seu rosto e o ar vai
ficar na pedra”. E lá se ia embora toda conjuntivite. Não sei se era a água ou
o carvão ou a fé. Mas sarava todo o mal
do olho.
“Esse menino está com bronquite da
braba! Vamos “prende” ela na parede. Encosta esse menino
ali perto da porta”. Encostado na parede, o menino era medido e, logo em
seguida Dona Palmira furava um buraco com uma broca com ponta. Uma mecha do
cabelo era cortada e colocada no buraco e tampado com uma massa misteriosa. E
lá ficava o mal do pulmão. Junto com a reza, a mãe saía com um xarope de mel de
abelhas e plantas.
O tempo começava a fechar anunciando
chuva forte. E a casa da Dona Palmira era visitada pelos agricultores que
estavam plantando ou colhendo. “Pode deixar, vou ‘mudá’ o rumo dessas nuvens”.
E assim, as penas de galinha eram
queimadas e colocadas debaixo da peneira, virada ao contrário. Assim as nuvens
entendiam o recado e passavam longe do vilarejo.
“Essa dor é íngua minha filha. Foi
picada por algum inseto? “Fui sim, Dona Palmira”. Então vamos amarrar essa
íngua”. O barbante era passado pelos braços e começava a reza. “O bem que
corte? “Íngua Dona Palmira”. Assim mesmo, eu corto!” “O bem
que corte? “Íngua”. “Assim mesmo eu corto “. Dessa forma, o barbante rodeava o
braço cinco vezes e era amarrado. “Quando cair o barbante todo mal vai embora
filha”.
Crianças da região, que não falavam de
jeito nenhum, eram curadas com o piado do pintinho recém-chocado na boca da
criança. O piado da choca soltava língua pregada. E para aquelas crianças mais
preguiçosas que não queriam andar, eram cortados os primeiros passos com
machado. Daí o pequeno aprendia até a correr.
Uma mistura de álcool com uma planta
chamada Rubi era usada para limpar ferimentos. Hoje sei que o tal “Rubi” tem
valor antisséptico.
Então não sei se era simpatia, benzimento,
fé ou ciência, somente presenciei que,de uma forma ou de outra, aquelas pessoas
tinham a quem recorrer na hora de sua dor. E dessa forma, eram curados do mal
do corpo e da alma. ( Texto escrito por KATIA EVANGELISTA CAMARGO, leitora da
FOLHA, extraído do caderno FOLHA RURAL, página 2, espaço Dedo de Prosa, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado, 25 de abril de 2015).
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